Tanto sempre disse, para agora me faltarem as palavras.
A quem mais mereceu, nada tenho a dizer,
mas a quem a sensatez sugere o silêncio, não me faltam
as palavras.
Seria, então, realmente justo?
Falta algo a dizer, ou apenas persiste a vontade de falar?
Entre o bem e o mal, cercado pela escolha,
seriam na verdade ilusões?
Perguntaria qual é a verdadeira origem do mal,
só para lembrar que já sei a resposta
A resposta que ao mesmo tempo explica minha mudez,
e minha vontade de falar.
Que explica minha vontade de buscar a razão do bem,
ou o remédio contra o mal.
Que concilia minha vontade de aproximar e a de fugir.
Não há o bem, não há o mal, senão aqueles que sentimos.
Não há regras, senão as que concordamos, que nos encucamos.
Não há regras... não há regras, senão a conveniência.
E toda regra tem sua conveniência,
embora nem sempre seja conveniente.
E no fim das contas... a única verdade a que se pode chegar...
é que só temos que ser felizes.
Mas se você não é...
feliz ou infelizmente...
o problema é seu.
terça-feira, 24 de dezembro de 2013
terça-feira, 8 de outubro de 2013
O vermelho, o cinza e o negro
- Sangue perdido numa cabine de banheiro. Já não importa, somos jovens. Caindo o tempo todo. Barreira de vidro.
- Observo sua foto numa nuvem qualquer. O carro atravessa rápido pela avenida num dia nublado qualquer. O futuro é imenso. Mas não importa.
- Leve-me com você. Não pode, eu sei. Mas continuamos indo. Caminhos opostos. Minha garganta canta, mas não são as notas que eu gostaria que soassem.
- E vamos indo. Somos jovens. Sempre jovens. E sozinhos. Nada importa. O sangue não incomoda.
- A cabine apertada parece mais confortante agora. O sangue escorre. Cai no chão. Chão sujo. O cheiro da fumaça de cigarro invade o banheiro, junto com o som alto da música. É uma boate. E eu aqui sozinha.
- Sozinhos. O mundo todo é vazio. O céu é um monte de nada infinito. E tão imutável. As nuvens lá no alto continuam as mesmas, afastando-se muito lentamente, enquanto irrompemos em alta velocidade pela rodovia. Tudo parece tão distante, as estrelas lá no céu, as pessoas ao meu lado. Eles cantam, mas não ouço.
- A mente ainda está rodando um pouco. As coisas não se acertaram. Nunca pensamos muito bem no que fazemos quando tão jovens. Não existem consequências. Tudo pode terminar e tudo começar. Envelhecendo as coisas ficam mais difíceis. Não temos para começar tudo de novo sempre. E quando foi que envelheci, afinal?
- A vida é única. Bela e terrível. Quantas outras poderia ter sido? Só consigo imaginar agora, olhando para o céu estrelado à noite. E se tivesse virado em outra esquina? E se tivesse deixado aquela carta de lado? Como é cruel ter que escolher só uma entre tantas...
- O cinza é muito pior que o vermelho. Descobri isso. Cinza por toda a parte. Quem sabe me corto, só para ver um pouco do vermelho...
- Onde estará você nesses dias? O que teria sido de nós? Éramos tão próximos. Mas também éramos tão jovens. Eu queria ter tudo e ser tudo para você. Você sempre tão realista e eu só conseguia sonhar...
- Ando pelas ruas, vou ao trabalho, cumprimento as pessoas, fumo um cigarro e prometo novamente parar de fumar quando olho para a sua foto. Saio para almoçar, almoço sem bebidas. Compro alguma coisa na volta para o trabalho, como se essa rebeldia realmente quebrasse algo da minha rotina eterna. Dia após dia. Nem sinto falta dos sonhos. Nada aqui me lembra o que era sonhar.
- Em uma estrela distante, uma montanha se desfaz. Cirurgias, implantes, filmes, casas, mansões, carros luxuosos. Vou ao teatro. Mas é tão forte o vazio do universo que me invade quando olho o céu. Tão distante, tão indiferente, tão intocável. Uma estrela não dá sinal, a não ser por um quase invisível ponto brilhante no céu. Preencho todo o vazio com a minha própria imaginação. Não sei nada de real. Não sei nada de você.
- Saindo de uma festa. Tinha bebida. Às vezes me sinto de volta àquela cabine de banheiro. O sangue escorrendo. Misto de felicidade e medo. Mas não sinto mais o restante. Tudo mudou tanto. Menos o vermelho. Ele ainda tem a mesma cor. A mesma cor do vinho que derrama da mesa, caído da taça quebrada. E do punho.
- Por que você não me atende? Custou descobrir seu número. Também, que cabeça a minha. Já é tarde. Quem sabe outro dia você me retorna. Ou não. Vai saber. Eu só queria dizer que sinto sua falta. Quem sabe a gente não se vê num dia desses?
- Paz. Não é branca, a paz é negra. Em vez do cinza costumeiro, tudo se enche de um preto muito forte. E do silêncio. Escuto um som de telefone, cada vez mais distante, e distante... já não escuto mais.
- Quem sabe... num dia desses...
- Observo sua foto numa nuvem qualquer. O carro atravessa rápido pela avenida num dia nublado qualquer. O futuro é imenso. Mas não importa.
- Leve-me com você. Não pode, eu sei. Mas continuamos indo. Caminhos opostos. Minha garganta canta, mas não são as notas que eu gostaria que soassem.
- E vamos indo. Somos jovens. Sempre jovens. E sozinhos. Nada importa. O sangue não incomoda.
- A cabine apertada parece mais confortante agora. O sangue escorre. Cai no chão. Chão sujo. O cheiro da fumaça de cigarro invade o banheiro, junto com o som alto da música. É uma boate. E eu aqui sozinha.
- Sozinhos. O mundo todo é vazio. O céu é um monte de nada infinito. E tão imutável. As nuvens lá no alto continuam as mesmas, afastando-se muito lentamente, enquanto irrompemos em alta velocidade pela rodovia. Tudo parece tão distante, as estrelas lá no céu, as pessoas ao meu lado. Eles cantam, mas não ouço.
- A mente ainda está rodando um pouco. As coisas não se acertaram. Nunca pensamos muito bem no que fazemos quando tão jovens. Não existem consequências. Tudo pode terminar e tudo começar. Envelhecendo as coisas ficam mais difíceis. Não temos para começar tudo de novo sempre. E quando foi que envelheci, afinal?
- A vida é única. Bela e terrível. Quantas outras poderia ter sido? Só consigo imaginar agora, olhando para o céu estrelado à noite. E se tivesse virado em outra esquina? E se tivesse deixado aquela carta de lado? Como é cruel ter que escolher só uma entre tantas...
- O cinza é muito pior que o vermelho. Descobri isso. Cinza por toda a parte. Quem sabe me corto, só para ver um pouco do vermelho...
- Onde estará você nesses dias? O que teria sido de nós? Éramos tão próximos. Mas também éramos tão jovens. Eu queria ter tudo e ser tudo para você. Você sempre tão realista e eu só conseguia sonhar...
- Ando pelas ruas, vou ao trabalho, cumprimento as pessoas, fumo um cigarro e prometo novamente parar de fumar quando olho para a sua foto. Saio para almoçar, almoço sem bebidas. Compro alguma coisa na volta para o trabalho, como se essa rebeldia realmente quebrasse algo da minha rotina eterna. Dia após dia. Nem sinto falta dos sonhos. Nada aqui me lembra o que era sonhar.
- Em uma estrela distante, uma montanha se desfaz. Cirurgias, implantes, filmes, casas, mansões, carros luxuosos. Vou ao teatro. Mas é tão forte o vazio do universo que me invade quando olho o céu. Tão distante, tão indiferente, tão intocável. Uma estrela não dá sinal, a não ser por um quase invisível ponto brilhante no céu. Preencho todo o vazio com a minha própria imaginação. Não sei nada de real. Não sei nada de você.
- Saindo de uma festa. Tinha bebida. Às vezes me sinto de volta àquela cabine de banheiro. O sangue escorrendo. Misto de felicidade e medo. Mas não sinto mais o restante. Tudo mudou tanto. Menos o vermelho. Ele ainda tem a mesma cor. A mesma cor do vinho que derrama da mesa, caído da taça quebrada. E do punho.
- Por que você não me atende? Custou descobrir seu número. Também, que cabeça a minha. Já é tarde. Quem sabe outro dia você me retorna. Ou não. Vai saber. Eu só queria dizer que sinto sua falta. Quem sabe a gente não se vê num dia desses?
- Paz. Não é branca, a paz é negra. Em vez do cinza costumeiro, tudo se enche de um preto muito forte. E do silêncio. Escuto um som de telefone, cada vez mais distante, e distante... já não escuto mais.
- Quem sabe... num dia desses...
domingo, 22 de setembro de 2013
Adeus
E quem um dia diria
que, na verdade, eu sabia
e ver, conseguia
muito mais que você?
Duvidei e desconfiei
das minhas verdades
que nenhuma vantagem
me pareciam ter.
Mas a sua sensatez
mostrou-se equivocada.
Portas só existem
para serem fechadas.
sexta-feira, 20 de setembro de 2013
Fluxo
Não sei como definir, mas uma epifania me toma. Por vezes cheguei a momentos "definitivos" em minha vida. Mas todos passaram. Vivi várias vidas dentro de uma única e curta vida até agora. Vários "eus". Inúmeras vezes cheguei à conclusão de que "esse é quem eu realmente sou" ou "quero ser". Todos contraditórios entre si, compartilhavam apenas o nome e a fluidez inerente. Não sei se isso ocorre com todo mundo, mas apenas agora me dou conta disso. Talvez seja algo banal, mas a banalidade é muito mais fruto das palavras que não conseguem reproduzir todo o prisma envolvido. É muito extasiante olhar para tantos locais definitivos e eternos que passara.
O mais significativo deles, talvez, tenha sido minha estadia em Juiz de Fora. Era disciplinado, estudioso, bondoso, religioso, otimista em relação à vida. Frequentava assiduamente a academia, cuidava da alimentação, estudava com afinco, fazia planos austeros. Queria terminar a faculdade de psicologia e fazer o mestrado para o qual havia sido aprovado. Mas também continuar fazendo medicina. Queria ser professor, pesquisador, psicólogo, psiquiatra. E tudo andava nessa direção. Há anos não saía à noite, não bebia. Ou havia feito apenas poucas vezes durante as férias. Não mais me preocupava em ser o "pegador" da noite. Na verdade isso era parte de outro "eu" que há muito havia passado. Enfim, minha vida era perfeita e estava decidido a trilhar esse caminho pela eternidade.
Mas esse tempo passou. E foi difícil entender que havia passado. A transição foi muito dolorosa. Todas as minhas crenças foram colocadas à prova, e em um dado momento me vi sendo obrigado a passar por todo o oposto daquilo que eu havia sido e de que tanto me orgulhava. Pense nisso, o contrário de "disciplinado, estudioso, bondoso, religioso, otimista em relação à vida". Não é muito legal, não é? Em vez de orgulho, passei a ter vergonha. E essas coisas foram levadas ao seu extremo. Não fazia sentido. Afinal, eu me identificava com coisas positivas. Não podia admitir ser uma pessoa ruim. E realmente fui. Sem rodeios, sem justificativas ou desculpas. Não quero achar nada que reduza a dimensão do verdadeiro culpado, que realmente fui eu.
Porém, isso também passou, felizmente. Na verdade foi um período muito louco. Agora é vez de outro período. Mais uma vez gostaria que fosse eterno, mas preciso reconhecer que não será. Tudo na minha vida é um estado eterno de transição. E em geral são transições drásticas.
Pelo menos aprendi a desconfiar sempre do todo. Tudo são apenas partes. Agora vivo mais uma, entre infinitas que se sucederão. Quem sabe em uma delas eu esqueça disso e volte a acreditar que algo pode ser eterno. Afinal, tudo pode acontecer. Só não pode parar.
O mais significativo deles, talvez, tenha sido minha estadia em Juiz de Fora. Era disciplinado, estudioso, bondoso, religioso, otimista em relação à vida. Frequentava assiduamente a academia, cuidava da alimentação, estudava com afinco, fazia planos austeros. Queria terminar a faculdade de psicologia e fazer o mestrado para o qual havia sido aprovado. Mas também continuar fazendo medicina. Queria ser professor, pesquisador, psicólogo, psiquiatra. E tudo andava nessa direção. Há anos não saía à noite, não bebia. Ou havia feito apenas poucas vezes durante as férias. Não mais me preocupava em ser o "pegador" da noite. Na verdade isso era parte de outro "eu" que há muito havia passado. Enfim, minha vida era perfeita e estava decidido a trilhar esse caminho pela eternidade.
Mas esse tempo passou. E foi difícil entender que havia passado. A transição foi muito dolorosa. Todas as minhas crenças foram colocadas à prova, e em um dado momento me vi sendo obrigado a passar por todo o oposto daquilo que eu havia sido e de que tanto me orgulhava. Pense nisso, o contrário de "disciplinado, estudioso, bondoso, religioso, otimista em relação à vida". Não é muito legal, não é? Em vez de orgulho, passei a ter vergonha. E essas coisas foram levadas ao seu extremo. Não fazia sentido. Afinal, eu me identificava com coisas positivas. Não podia admitir ser uma pessoa ruim. E realmente fui. Sem rodeios, sem justificativas ou desculpas. Não quero achar nada que reduza a dimensão do verdadeiro culpado, que realmente fui eu.
Porém, isso também passou, felizmente. Na verdade foi um período muito louco. Agora é vez de outro período. Mais uma vez gostaria que fosse eterno, mas preciso reconhecer que não será. Tudo na minha vida é um estado eterno de transição. E em geral são transições drásticas.
Pelo menos aprendi a desconfiar sempre do todo. Tudo são apenas partes. Agora vivo mais uma, entre infinitas que se sucederão. Quem sabe em uma delas eu esqueça disso e volte a acreditar que algo pode ser eterno. Afinal, tudo pode acontecer. Só não pode parar.
domingo, 1 de setembro de 2013
Saudade, palavra triste...
Para acompanhar a leitura, sugiro essa música de fundo: http://www.youtube.com/watch?v=5WOcU7J9F3E
Não sei o que é pior sobre a saudade. Talvez seja a simples desnecessidade. E assim a saudade se perpetua, como algo que não precisa ser combatido, que devemos deixar simplesmente ali, pulsando, invisível para todo o mundo. A saudade não mata, daí não precisamos matá-la. É cruel e dissimulada, covarde que se esconde o tempo todo, até que um dia aparece e cutuca. Depois some de novo. E fica assim, nessa guerrilha perene. Não dá para fugir dela, pois aonde quer que se vá, lá está ela aguardando.
Outro dia você estava ali, sentada à mesa fazendo suas coisas. Quando eu chegava, você me recebia com um sorriso. Várias vezes você veio me lembrar de algo que havia esquecido, implicava com o meu jeito de fazer as coisas. Estava ali, de pé, usando aquele seu short azul de todo dia, fazia comida, testava uma receita. Ou então estava andando por essas ruas, e uma hora a gente simplesmente se esbarrava...
Mas não sei se esse ainda é o pior da saudade. O que me incomoda mesmo é ver um mundo de possibilidades se desfazendo. Tantas conversas que poderíamos ter, tantos assuntos sobre os quais queria saber sua opinião, tantas coisas que gostaria de lhe mostrar. Porém, acima de tudo, dói não poder ver seu sorriso. É dele que sinto mais falta. Seu sorriso era tão gostoso, tão amável. Era o contraste perfeito do rosto de menina no corpo da grande mulher que você é.
E de repente, aparece essa tal da saudade para me lembrar o quanto eu gostava, mas também para me mostrar o quanto ele se vai desmanchando. Já não lembro mais como era seu sorriso. Não consigo imaginar todos os seus detalhes, toda a sua complexidade. Resta apenas uma sombra, que a cada dia fica mais disforme, até que um dia vá se perder completamente.
A saudade não vai acabar. Mas ela vai deixando de ser algo e se transformando em abstração pura. Aos poucos, não me resta algo de que ter saudade. Vai virando saudade pura, saudade de nada. Só saudade. Como se deixasse de ser saudade de você e passasse a ser minha. Não tenho mais saudade, mas sou alguém que sente saudade. Que sente um vazio inexplicável, onde nada mais falta, nada há o que faltar. E você se torna apenas uma sombra amorfa que me persegue.
Já não me incomoda a sua ausência. Ela não me mata, e assim eu ela sobrevivemos. Já somos cúmplices, ela minha eterna companheira, minha terrível algoz. Mas o que dói é saber que tudo está se perdendo, se desmanchando no ar. E pelo menos as minhas lembranças gostaria de reter comigo. Entendo que não possamos ser um do outro na vida real, mas ao menos nos sonhos, vez ou outra, poderíamos ser felizes. E é a morte dos sonhos a pior parte da saudade. Ela me segue, mas vai matando você. Bem aos poucos. Pois enquanto a saudade se alimenta da ausência, esta só aumenta o vazio que você deixou.
Não sei o que é pior sobre a saudade. Talvez seja a simples desnecessidade. E assim a saudade se perpetua, como algo que não precisa ser combatido, que devemos deixar simplesmente ali, pulsando, invisível para todo o mundo. A saudade não mata, daí não precisamos matá-la. É cruel e dissimulada, covarde que se esconde o tempo todo, até que um dia aparece e cutuca. Depois some de novo. E fica assim, nessa guerrilha perene. Não dá para fugir dela, pois aonde quer que se vá, lá está ela aguardando.
Outro dia você estava ali, sentada à mesa fazendo suas coisas. Quando eu chegava, você me recebia com um sorriso. Várias vezes você veio me lembrar de algo que havia esquecido, implicava com o meu jeito de fazer as coisas. Estava ali, de pé, usando aquele seu short azul de todo dia, fazia comida, testava uma receita. Ou então estava andando por essas ruas, e uma hora a gente simplesmente se esbarrava...
Mas não sei se esse ainda é o pior da saudade. O que me incomoda mesmo é ver um mundo de possibilidades se desfazendo. Tantas conversas que poderíamos ter, tantos assuntos sobre os quais queria saber sua opinião, tantas coisas que gostaria de lhe mostrar. Porém, acima de tudo, dói não poder ver seu sorriso. É dele que sinto mais falta. Seu sorriso era tão gostoso, tão amável. Era o contraste perfeito do rosto de menina no corpo da grande mulher que você é.
E de repente, aparece essa tal da saudade para me lembrar o quanto eu gostava, mas também para me mostrar o quanto ele se vai desmanchando. Já não lembro mais como era seu sorriso. Não consigo imaginar todos os seus detalhes, toda a sua complexidade. Resta apenas uma sombra, que a cada dia fica mais disforme, até que um dia vá se perder completamente.
A saudade não vai acabar. Mas ela vai deixando de ser algo e se transformando em abstração pura. Aos poucos, não me resta algo de que ter saudade. Vai virando saudade pura, saudade de nada. Só saudade. Como se deixasse de ser saudade de você e passasse a ser minha. Não tenho mais saudade, mas sou alguém que sente saudade. Que sente um vazio inexplicável, onde nada mais falta, nada há o que faltar. E você se torna apenas uma sombra amorfa que me persegue.
Já não me incomoda a sua ausência. Ela não me mata, e assim eu ela sobrevivemos. Já somos cúmplices, ela minha eterna companheira, minha terrível algoz. Mas o que dói é saber que tudo está se perdendo, se desmanchando no ar. E pelo menos as minhas lembranças gostaria de reter comigo. Entendo que não possamos ser um do outro na vida real, mas ao menos nos sonhos, vez ou outra, poderíamos ser felizes. E é a morte dos sonhos a pior parte da saudade. Ela me segue, mas vai matando você. Bem aos poucos. Pois enquanto a saudade se alimenta da ausência, esta só aumenta o vazio que você deixou.
terça-feira, 27 de agosto de 2013
Reino de Havana
(...) E o Rei, vendo que a turba agitada se aproximava empunhando foices e tochas, correu atrás do Bobo da Corte. As vozes clamavam por justiça e vingança. Sangue deveria ser derramado. O Rei aparece com o Bobo ao seu lado sobre as altas muralhas do castelo que o protegem da multidão inflamada, cujas vozes se agigantam ao ver os representantes da monarquia diante de seus olhos e, apenas por pouco, inalcançáveis para suas mãos. O Rei tenta falar, mas sua voz não é suficiente para sobrepujar o sufocante som que provém das ruas. Gesticulando, informa que o Bobo irá até eles conversar. Então, os portões do castelo são abertos com cuidado, protegidos por vários guardas para conter o avanço da multidão. Por um estreito corredor, sai o bobo. Um estrondo indica o fechamento dos portões atrás de si. Não havia mais caminho de volta. Inutilmente o homem tenta conversar, já cercado pelos camponeses raivosos. Levam-no e torturam-no enquanto discutem se devem decapitá-lo na guilhotina ou amarrá-lo a uma fogueira. Enquanto agridem de todas as formas o Bobo, vociferam que é melhor o próximo a ocupar seu cargo ser melhor sucedido, caso contrário o povo novamente se fará ouvir. Resolvem entregar o homem aos cães famintos e, o que sobrar, jogar ao fogo. Sange foi derramado, o desejo da multidão foi satisfeito. Enquanto isso, ao longe, o Rei assiste por cima da muralha, apenas acenando para seu povo furioso, no meio do qual alguns homens comentam, orgulhosos, como seu bom Rei permitiu que a justiça fosse feita.
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
A feet like yours, that's what my prays are for
- Sometimes I just close my eyes and expect for you to tell me what to do.
- You shouldn't. I'm nothing but a mere woman. I live an ordinary life, without anything that makes me a good counselor. I even many times find myself struggling hard against the common problems of people's life, achieving nothing better than anyone has.
- You are wrong, my darling. When you say so I do really think that I know you better than you do. I know what you are capable of, and how far would you get if furnished with the proper means. I have endeavored much more than you ever did, but for what price? With lesser resources you had not only gotten the closest to me than anyone ever had, but you still don't quit fighting, unlikely everyone else, whose morals would have been completely vanished if they could see so many pain and suffering in their pathways, as you see on yours.
- I still don't agree. I'm not this courageous and heroic character you fantasize about who I am. If given the opportunity, I'd runaway without hesitation. What keep me fighting is the lack of options. Life gave me nothing but a trail to walk, and I do nothing to roam between the places that maintain me alive, waiting for one day when the painful stroll will come to an end.
- Yes, maybe that's true. But, as I said, you have something that I haven't seen in anyone else. Maybe you don't know, but your road are very harder than most people's. And even so, you still have enduring feet. You have the strongest feet I've ever seen, but you got also the worst road, so that's not very helpful. What I intend to attain is a feet like yours, but to use them in an adequate floor. A feet like yours, that's what my prays are for. But I can't cut them off and use by myself. They aren't my number, and I also think they look much better on you. What I propose is that you abandon your road and come walk with me. But I also know that you won't do this. You said that you have one option, but that's untrue. There's only one option that you want, and I'm affraid that you will pursue it until you find it, or until you no feet left. I also think that that's what make you so strong. You do have injured feet, but you keep walking, and don't let anyone else see what makes you hurt. That's why you can't stop, because if anybody sees your deep wounds, they would make you abort your travel. So... keep your tears to yourself, as you have been doing since ever. I'm not here to save you from the hell where you are travelling. I just pray that one day you'll find the reward you're looking for, and your search really were worth the gravel in the way.
She walked past me as I finished saying these last words. There were no need to see, I knew she was carrying heavy tears on her eyes. Her body just stood at the door and she turned to me one last time.
- Thank you.
She said, and walked away.
- You shouldn't. I'm nothing but a mere woman. I live an ordinary life, without anything that makes me a good counselor. I even many times find myself struggling hard against the common problems of people's life, achieving nothing better than anyone has.
- You are wrong, my darling. When you say so I do really think that I know you better than you do. I know what you are capable of, and how far would you get if furnished with the proper means. I have endeavored much more than you ever did, but for what price? With lesser resources you had not only gotten the closest to me than anyone ever had, but you still don't quit fighting, unlikely everyone else, whose morals would have been completely vanished if they could see so many pain and suffering in their pathways, as you see on yours.
- I still don't agree. I'm not this courageous and heroic character you fantasize about who I am. If given the opportunity, I'd runaway without hesitation. What keep me fighting is the lack of options. Life gave me nothing but a trail to walk, and I do nothing to roam between the places that maintain me alive, waiting for one day when the painful stroll will come to an end.
- Yes, maybe that's true. But, as I said, you have something that I haven't seen in anyone else. Maybe you don't know, but your road are very harder than most people's. And even so, you still have enduring feet. You have the strongest feet I've ever seen, but you got also the worst road, so that's not very helpful. What I intend to attain is a feet like yours, but to use them in an adequate floor. A feet like yours, that's what my prays are for. But I can't cut them off and use by myself. They aren't my number, and I also think they look much better on you. What I propose is that you abandon your road and come walk with me. But I also know that you won't do this. You said that you have one option, but that's untrue. There's only one option that you want, and I'm affraid that you will pursue it until you find it, or until you no feet left. I also think that that's what make you so strong. You do have injured feet, but you keep walking, and don't let anyone else see what makes you hurt. That's why you can't stop, because if anybody sees your deep wounds, they would make you abort your travel. So... keep your tears to yourself, as you have been doing since ever. I'm not here to save you from the hell where you are travelling. I just pray that one day you'll find the reward you're looking for, and your search really were worth the gravel in the way.
She walked past me as I finished saying these last words. There were no need to see, I knew she was carrying heavy tears on her eyes. Her body just stood at the door and she turned to me one last time.
- Thank you.
She said, and walked away.
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
Maria
Maria seguia deixando migalhas no caminho. Esperava assim que João conseguisse seguí-la, encontrá-la e assim voltariam para casa. Mas as migalhas também poderiam trazer a Bruxa. Maria não tinha escolhas. A esperança do reencontro com seu irmão fazia com que engolisse o medo e continuasse deixando as migalhas. Olhou para baixo, aquele pequeno pedaço de pão em sua mão. Seria o alimento redentor para nutrir sua alma? Ou o bolor envenenado que consumiria suas entranhas? Não havia como saber. Não restava muito a Maria. Ali, sozinha na floresta sem saber o caminho de casa, ignorava o destino de João. Não sabia o que poderia haver por detrás das sombras das árvores, que nada deixavam ver. Poderia estar logo ali, a poucos metros, o aconchegante acalento que aqueceria seu coração entre aquelas árvores úmidas e frias, ou o terrível medo e pavor da cruel assassina. O herói ou o monstro; felicidade ou dor. Um só rastro de migalhas, mas duas possibilidades. O que estava guardado naquelas sombras, às quais Maria denunciava sua presença com pão? Não havia como saber. Mas não restava muito a Maria, não é? Uma vida sozinha era muito cruel, nem que o preço pela solidão fosse a ameaça iminente da Bruxa. Talvez o que ela temesse mesmo fosse a terceira opção; e ninguém seguiria sua trilha; e ela morreria ali, sozinha, esquecida e faminta. E então atirava mais um pedaço de pão.
The cure
You're my only cure. And my only sickness.
The bright on my dead plans,
and the shadows in my happiness.
I hope one day you will simply vanish away,
and I'll become nothing, but only who I am.
But who I am it's still for you to bless.
The bright on my dead plans,
and the shadows in my happiness.
I hope one day you will simply vanish away,
and I'll become nothing, but only who I am.
But who I am it's still for you to bless.
domingo, 18 de agosto de 2013
Antídoto
- Eu sou muito estranha, não é? - Ela me disse. Apenas sorri, um pouco desinteressado na conversa, e mexi a cabeça positivamente. Eu a achava mesmo estranha. Uma pessoa com interesses inusitados. Mas ela, em toda sua timidez, deixava transpassar o medo de que isso fosse visto como um defeito por mim. Medo comum de pessoas inseguras, em especial das apaixonadas.
O que ela não sabe é que eu sou dos mais estranhos também. Mas isso não me impede de julgar a estranheza alheia. É estranho mesmo saber dos hábitos peculiares de cada um. Todos têm os seus. O problema é confessá-los. Por isso apenas sorri e concordei. Ao mesmo tempo confirmei e traí as expectativas dela. Sim, achava-a estranha; não considerava boas suas esquisitices; mas ao mesmo tempo me identificava muito.
Infelizmente, aquilo que temos de mais nosso só faz sentido para nós mesmos. Por isso não pude confessar que eu também sou muito estranho. Porque na verdade não sou. Sou apenas eu, com minhas peculiaridades, assim como ela com as dela. Só é estranho por lidar com estranhos. Pessoas estranhas aos nossos sonhos, às nossas fantasias, aos nossos desejos. Para eles, aquilo que nos dá sentido é um estrangeiro de língua indecifrável, com quem apenas nós próprios temos intimidade.
Fui obrigado a concordar. É estranha, e muito. Mas estranha para mim. Estranha a partir do momento em que expôs suas entranhas. As minhas, não queira ver. São minhas, são quem sou. E para sê-lo, ninguém mais pode ser, saber.
Estava, assim, perpetuamente absolvida e condenada por sua estranheza. Afinal somos todos estranhos, tentando nos entender entre tantos estrangeiros desentendidos.
Talvez por isso seja tão fácil sentir-se em casa entre estranhos. Sinto-me confortável andando sozinho pelas ruas, sem nenhum outro eu para contaminar o meu. Estou ali, sozinho, e nesse momento posso ser.
Cada qual segue o seu destino, seu ser mais íntimo, da forma mais verdadeira, quando estão sozinhos. É a moça que chora toda noite pela saudade do amor que não volta; é o homem que faz planos com o novo emprego que conseguira; o professor que reflete sobre as idéias que pretende passar aos alunos; é o viajante, que abre as janelas do quarto de hotel em Istambul e fica a observar o luar refletido sobre o Mar Cáspio. E talvez sejam todos esses em um só.
O gato de Schröedinger existe na mente humana. Podemos ser tudo, mas o olhar dos outros nos obriga a ser algo. As opções se apagam em nome de uma definição. E nem sempre o eu que sobra, que lhe cobram assumí-lo, é o gato mais fortuito. Algumas vezes está morto.
Por isso não posso confessar a ela quem sou. No máximo, dir-lhe-ia que conservasse para si também quem ela é. Preserve-se de ser dobrada, definida e limitada. Seja um sonho lindo e solto, seja uma aventura pelo Mediterrâneo, uma estrela no espaço, um Deus no Olimpo. Seja livre e radiante. Mas acima de tudo, não se deixe contaminar, apagar. Não deixe que eu veja. Seja.
O que ela não sabe é que eu sou dos mais estranhos também. Mas isso não me impede de julgar a estranheza alheia. É estranho mesmo saber dos hábitos peculiares de cada um. Todos têm os seus. O problema é confessá-los. Por isso apenas sorri e concordei. Ao mesmo tempo confirmei e traí as expectativas dela. Sim, achava-a estranha; não considerava boas suas esquisitices; mas ao mesmo tempo me identificava muito.
Infelizmente, aquilo que temos de mais nosso só faz sentido para nós mesmos. Por isso não pude confessar que eu também sou muito estranho. Porque na verdade não sou. Sou apenas eu, com minhas peculiaridades, assim como ela com as dela. Só é estranho por lidar com estranhos. Pessoas estranhas aos nossos sonhos, às nossas fantasias, aos nossos desejos. Para eles, aquilo que nos dá sentido é um estrangeiro de língua indecifrável, com quem apenas nós próprios temos intimidade.
Fui obrigado a concordar. É estranha, e muito. Mas estranha para mim. Estranha a partir do momento em que expôs suas entranhas. As minhas, não queira ver. São minhas, são quem sou. E para sê-lo, ninguém mais pode ser, saber.
Estava, assim, perpetuamente absolvida e condenada por sua estranheza. Afinal somos todos estranhos, tentando nos entender entre tantos estrangeiros desentendidos.
Talvez por isso seja tão fácil sentir-se em casa entre estranhos. Sinto-me confortável andando sozinho pelas ruas, sem nenhum outro eu para contaminar o meu. Estou ali, sozinho, e nesse momento posso ser.
Cada qual segue o seu destino, seu ser mais íntimo, da forma mais verdadeira, quando estão sozinhos. É a moça que chora toda noite pela saudade do amor que não volta; é o homem que faz planos com o novo emprego que conseguira; o professor que reflete sobre as idéias que pretende passar aos alunos; é o viajante, que abre as janelas do quarto de hotel em Istambul e fica a observar o luar refletido sobre o Mar Cáspio. E talvez sejam todos esses em um só.
O gato de Schröedinger existe na mente humana. Podemos ser tudo, mas o olhar dos outros nos obriga a ser algo. As opções se apagam em nome de uma definição. E nem sempre o eu que sobra, que lhe cobram assumí-lo, é o gato mais fortuito. Algumas vezes está morto.
Por isso não posso confessar a ela quem sou. No máximo, dir-lhe-ia que conservasse para si também quem ela é. Preserve-se de ser dobrada, definida e limitada. Seja um sonho lindo e solto, seja uma aventura pelo Mediterrâneo, uma estrela no espaço, um Deus no Olimpo. Seja livre e radiante. Mas acima de tudo, não se deixe contaminar, apagar. Não deixe que eu veja. Seja.
quinta-feira, 15 de agosto de 2013
Adeus
- Eu sou um cavaleiro de Atena. Se você continuar, serei obrigado a matá-la.
Uma lágrima escorreu por seu rosto enquanto pronunciava essas palavras.
- Você não teria coragem de me matar. Não depois de tudo que vivemos.
E prosseguiu caminhando ao longo da sala, passando pelo cavaleiro, que empunhava uma das espadas da Armadura de Ouro de Libra. Enquanto ela passava calmamente olhando para o rosto do cavaleiro, este permanecia imóvel. Seus corpo todo estava tenso, os olhos ocultos pela face curvada para baixo, encarando algum vazio invisível ao longe. Controlando a respiração, ele se sentia afundar nos batimentos de seu coração e no suor que escorria pelo rosto. Apertou com mais força o punho da espada e engoliu em seco quando ela passou por ele. Não conseguia olhar, muito menos se virar. Ouvia os passos dela, calmos, lentos, distanciando-se cada vez mais. À sua frente, apenas sangue dos demais cavaleiros mortos. É verdade que ele a havia amado. Amado mais que todas as coisas, amado mais que a si próprio. Amado ao ponto de haver esquecido o verdadeiro motivo pelo qual vivia até então, de haver esquecido de onde provinham suas forças, esquecido o que conferia sentido à sua vida. Não podia acreditar no que aquele amor o havia transformado. Outra lágrima escorreu de seu rosto. Nenhuma palavra. A garganta seca. Virou-se e, num golpe preciso e certeiro, atravessou com sua espada o peito da moça. Ela olhou para trás, os olhos arregalados, molhados, fixos naquele homem. Ele, olhando para baixo, escondendo uma vez mais o olhar, denunciado apenas pelas lágrimas que insistiam em escorrer e molhar o chão. Silêncio. O corpo dela desliza inerte pela lâmina e cai no chão. Os olhos continuam abertos, perplexos, encarando eternamente seu algoz. Ele se vira e vai embora. Os companheiros que assistiam de longe, imóveis pelo feitiço sofrido, se apressam para saudar seu salvador. Ele passa por eles em silêncio. Larga a espada no chão, antes de começar a descer a escadaria do Santuário, e vai embora.
Uma lágrima escorreu por seu rosto enquanto pronunciava essas palavras.
- Você não teria coragem de me matar. Não depois de tudo que vivemos.
E prosseguiu caminhando ao longo da sala, passando pelo cavaleiro, que empunhava uma das espadas da Armadura de Ouro de Libra. Enquanto ela passava calmamente olhando para o rosto do cavaleiro, este permanecia imóvel. Seus corpo todo estava tenso, os olhos ocultos pela face curvada para baixo, encarando algum vazio invisível ao longe. Controlando a respiração, ele se sentia afundar nos batimentos de seu coração e no suor que escorria pelo rosto. Apertou com mais força o punho da espada e engoliu em seco quando ela passou por ele. Não conseguia olhar, muito menos se virar. Ouvia os passos dela, calmos, lentos, distanciando-se cada vez mais. À sua frente, apenas sangue dos demais cavaleiros mortos. É verdade que ele a havia amado. Amado mais que todas as coisas, amado mais que a si próprio. Amado ao ponto de haver esquecido o verdadeiro motivo pelo qual vivia até então, de haver esquecido de onde provinham suas forças, esquecido o que conferia sentido à sua vida. Não podia acreditar no que aquele amor o havia transformado. Outra lágrima escorreu de seu rosto. Nenhuma palavra. A garganta seca. Virou-se e, num golpe preciso e certeiro, atravessou com sua espada o peito da moça. Ela olhou para trás, os olhos arregalados, molhados, fixos naquele homem. Ele, olhando para baixo, escondendo uma vez mais o olhar, denunciado apenas pelas lágrimas que insistiam em escorrer e molhar o chão. Silêncio. O corpo dela desliza inerte pela lâmina e cai no chão. Os olhos continuam abertos, perplexos, encarando eternamente seu algoz. Ele se vira e vai embora. Os companheiros que assistiam de longe, imóveis pelo feitiço sofrido, se apressam para saudar seu salvador. Ele passa por eles em silêncio. Larga a espada no chão, antes de começar a descer a escadaria do Santuário, e vai embora.
sexta-feira, 26 de julho de 2013
Carta pra Matilde
Querida Matilde,
já faz um tempo que a gente não se vê. É a primeira vez que resolvo escrever diretamente pra você. Não sei nem se você vai chegar a ler minha carta, mas também nem precisava colocar seu nome nela, porque você vai saber que ela é pra você, por causa das coisas que vou escrevê nela.
Eu pensei muito melhor em nóis, Matilde. Sobre as coisas que você falava pra mim e percebi que eu era muito bobo, Matilde, porque eu cismava de ouvir as bobeiras que você falava.
Mas é que você falava com muita confiança, Matilde, e aí eu ficava impressionado. Pensava assim: "Nossa, a Matilde sabe mesmo do que está falando. E eu vinha fazendo errado esse tempo todo. Vê se pode!".
E aí você me fazia acreditar que eu não sabia nada, e eu era bobo de acreditar, Matilde.
Só que aí veio o dia de dar remédio pra nossa gata, a Francisquinha. Você lembra, Matilde? Você pegou o remédio pra dar, dizendo que sabia certinho como fazer. Colocou a seringa na boca da gatinha e apertou tudo de uma vez, segurando a boca dela depois.
Não teve jeito. A bichinha engasgou e cuspiu tudo fora.
Foi aí que eu percebi de vez o que já suspeitava: que você não sabia muito bem das coisas, né Matilde, mesmo fingindo que sabia de tudo.
Eu já tinha dado muito remédio pra bicho e sabia que aquilo ali estava errado. Você, brava como sempre, falou que era assim que sua avó fazia, que tinha que aproveitar e espirrar tudo de uma vez, e falou que, se eu achava que sabia fazer melhor, fizesse por mim mesmo.
E aí fui lá e fiz. Devagarzinho fui espirrando o remédio, com calma, e a gatinha tomou tudo. Nem precisava de vó pra me falar que era assim que devia fazer. A gente sabe, é só prestar atenção, se você tenta engolir coisa de mais, não passa da garganta, engasta, e a gente cospe de volta. Com o bicho não é diferente. Será que você não conseguia perceber?
Mas aí fui pensando nessas coisas. Nessa época eu achava mesmo que você sabia de tudo. Tinha uma opinião sobre tudo, criticava tudo que eu fazia, falava com segurança, apontava defeito nas coisas e parecia que nada que fosse feito bastava pra você.
Isso ficou na minha cabeça. Você sabe como eu sou, quando cismo com uma coisa é difícil de tirar da cabeça.
Na época eu tinha perdido toda minha confiança. Afinal, nada que eu fazia estava bom pra você. Reclamava do jeito que eu varria o chão, da massagem que você pedia pra eu fazer, dizia que meus beijos eram estranhos, que até na hora de fazer compras eu era enrolado. Falava que não via graça nos textos que escrevia, que eu cantava mal e dançava ainda pior. Que a comida que eu fazia não era boa e até que eu era preguiçoso.
E fiquei mesmo preguiçoso. Não tinha vontade de fazer nada, porque sabia que você ia falar mal. E ninguém quer ficar vendo seus erros e defeitos sendo apontados todo dia. Todo mundo tem defeito e, como você gostava de mostrar, eu tinha um monte deles. Na verdade, era difícil achar algo que você não considerasse defeituoso.
E aí você ainda queria saber porque eu andava tão triste...
Mas fiquei com isso na cabeça...
Depois que você foi embora eu voltei muito triste e com medo. Como uma pessoa que não sabia fazer nada direito poderia saber se virar sem você por perto?
Só que aí as coisas começaram a ser muito diferentes, Matilde.
Quando o diretor Igor veio falar comigo, eu jurava que ele ia brigar porque eu estava faltando muito. Mas foi bem o contrário. Ele elogiou e ainda me promoveu. E isso se repetiu muitas vezes. Muita gente vinha elogiar as coisas que eu fazia. Eu fiquei impressionado, porque desde que eu vivia com você, fazia muito tempo que tinha me desacostumado com elogios e palavras agradáveis.
Mas eu juro pra você, Matilde, que eu acreditava tanto nas coisas que você falava (porque você falava com tanta confiança) que eu até pensava que esse povo devia ser muito besta de não ver que tudo que eu fazia era muito ruim.
Só que era muita gente. Você não sabe, Matilde. Na primeira semana depois que você foi embora eu conheci um senhor, falei das coisas que eu gostava de estudar, e ele veio me chamar pra estudar com ele. Falou pra eu largar o lugar onde eu tava, que com ele eu ia ganhar mais dinheiro. E era um senhor bem sabido. Seria possível que você soubesse mais que essa gente toda, Matilde? Mas você não sabia nem dar remédio pra gatinha.
Aí então, meio por acaso, aconteceu mais uma coisa. Eu com essas coisas na cabeça e uma moça pediu minha ajuda pra fazer comida. Eu fui e estava lá amassando o alho, colocando sal, igual você me ensinou. E aí, de curiosidade mesmo, perguntei porque a gente precisava botar sal no alho pra amassar. Lembra que eu tinha te perguntado? E você falou pra mim: "Ah João, não sei, mas minha avó ensinou a fazer assim, que o tempero pega melhor". Mas a moça me explicou. Não era nada disso. Era só que o alho solta água no sal (uma tal de osmose) e aí os dois juntos viram uma pasta, que é mais fácil de amassar, senão os pedaços de alho seco ficam pulando quando você soca eles.
Pensei nisso e lembrei da história da Francisquinha. E lembrei que você nunca sabia explicar direito as coisas para mim. Eu achava que era porque você não queria perder tempo comigo, porque achava que eu não ia entender. Mas comecei a pensar que era você que não sabia. Que você só agia como se soubesse tudo, mas que no fundo era muito boba.
E fiquei um bom tempo brincando com isso. Ia lembrando de cada vez mais situações em que você fazia essas coisas. Lembrei de vários casos e a cada dia conseguia lembrar um novo. Algumas vezes lembrava de coisas bobas de casa, como foi o caso do alho. Em outras lembrava de coisas mais difíceis. Você até criticava a ciência, dizia que duvidava das descobertas e dos métodos dos cientistas, mas não questionava nem o que sua avó dizia, Matilde! E aí eu lembrava que, na verdade, não tinha muitas coisas que você fazia que eu podia dizer que eram bem feitas. Acontece que eu gostava muito de você, e aí não importava se você era boa ou não no que fazia. Desculpe a brincadeira, Matilde, mas a única coisa boa que eu acho que você fazia era reclamar. O bom é que hoje eu já acho graça quando lembro.
A verdade é que pensei bastante e comecei a ver que você era muito boba, Matilde. Desde quando comecei a fazer as coisas do meu jeito, tudo voltou a dar certo, como era antes de eu te conhecer. Não sei porque você tentava mostrar que sabia das coisas, não sei porque você reclamava tanto de mim. Talvez você tivesse medo de eu descobrir que, na verdade, era você que não sabia de nada. Que eu era bem melhor. Acho que você sempre foi bem medrosa. Era por isso que durante o dia andava toda empinada com aquela cara de brava, mas à noite chorava baixinho. Você acha que eu não ouvia, Matilde? Eu ouvia, mas tinha medo de chegar perto e você brigar.
Hoje eu tenho pena de você. Acho que não deveria ter, mas o que eu posso fazer? Tenho pena porque sei que você sofre. Sei que você acha que tudo no mundo está errado e que as coisas não acontecem do seu jeito. Mas são bobeiras da sua cabeça, você não vê? Tenho pena, porque eu deixei de acreditar nas suas bobeiras, Matilde. Mas acho que você ainda não.
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Adagio for Strings, Samuel Barber
Só o silêncio responde, só o silêncio conforta.
O silêncio que não se ouve e conforma.
O silêncio que cala e não se importa.
O silêncio que nunca ouvirás, que nunca direi, que nunca silenciará.
O silêncio que não se ouve e conforma.
O silêncio que cala e não se importa.
O silêncio que nunca ouvirás, que nunca direi, que nunca silenciará.
segunda-feira, 8 de julho de 2013
Universos Paralelos
Às vezes gosto de pensar que em algum lugar, num universo paralelo, existe um eu que fez a escolha certa.
quarta-feira, 3 de julho de 2013
Ao vento...
Todo escritor é humilde. Nem que guarde a humildade apenas para si mesmo. Às vezes posa de sabido, arrogante e culto. Faz reflexões, digressões, análises. Esbanja o vocabulário, critica e sonha. Mas, no íntimo, o que todo escritor sente é vontade de conversar. Pode ser com alguém real ou imaginado, ou conversar com o papel, ou com si mesmo. O importante é conversar com alguém que entenda. Ou ao menos esperar que alguém entenda. Esperar que, no papel, bonitas e enfileiradas, tiradas da confusão de dentro, as palavras façam sentido para alguém. Nem que seja para si mesmo. Nem que se espere algum entendido, alguém que lhe conte de volta o entendimento, e possa então, o escritor, entender aquelas palavras que dele escorreram como lágrimas manchando o papel. E que esse alguém venha lhe fazer companhia, ainda que na forma de mais palavras, e lhe traga uma resposta calorosa para o humilde pedido de socorro que lança ao vento. No fundo, todo escritor valoriza seu leitor, e, por mais arrogante que pareça ser, usa seu tempo e tem cuidado produzindo palavras na certeza de que alguém merece o esforço. Todo escritor espera que o vento leve ao longe sua mensagem, que ela seja agradável a alguém, que talvez siga o aroma de volta. Todo escritor lança pistas no ar para ser encontrado e posto a salvo. Nem que seja salvar-se de si. No fim, escrever é pedir, humildemente, por companhia. Nem que seja...
segunda-feira, 1 de julho de 2013
Resistir às sereias
"Se as sereias nada ignoram do que aconteceu, o preço que cobram por esse conhecimento é o futuro, e a promissão do alegre retorno é o embuste com que o passado captura o saudoso."
Adorno & Horkheimer - Dialética do Esclarecimento
Adorno & Horkheimer - Dialética do Esclarecimento
sábado, 29 de junho de 2013
Hello life
Have I been sleeping for so long?
Are this thoughts just reminders of nightmares?
They are shadows of within.
Suddenly you remember everything you have fought for.
And recover the source of your power,
the bright on your eyes,
the magic of your acts,
the wisdom you should had never let go.
A miracle has been made once.
Why cannot be done twice?
This is who I am, unstoppable.
Sadly for those who couldn't see this.
But no... there is need to worry about them,
Because they do not exist.
They are just a part of shadows and nightmares.
They are to be forgiven and forgotten... and forbidden.
Good bye shadows... hello life.
Are this thoughts just reminders of nightmares?
They are shadows of within.
Suddenly you remember everything you have fought for.
And recover the source of your power,
the bright on your eyes,
the magic of your acts,
the wisdom you should had never let go.
A miracle has been made once.
Why cannot be done twice?
This is who I am, unstoppable.
Sadly for those who couldn't see this.
But no... there is need to worry about them,
Because they do not exist.
They are just a part of shadows and nightmares.
They are to be forgiven and forgotten... and forbidden.
Good bye shadows... hello life.
sexta-feira, 28 de junho de 2013
Insuficiente
E de repente você se lembra de como o mundo é pequeno
De como seus sonhos são possíveis
E que tudo que fizeram para tentar te parar...
foi pouco.
De como seus sonhos são possíveis
E que tudo que fizeram para tentar te parar...
foi pouco.
terça-feira, 25 de junho de 2013
Josefina
Era uma vez uma menina chamada Josefina. Seus cabelos eram loiros encaracolados, o rostinho rechonchudo, um pouquinho empoeirado do movimento da cidade. Vivia em uma cidade antiga, perdida em outra era, que hoje só podemos imaginar. Andava por ruas amareladas, por entre feiras camponesas. Vivia em uma pequena casa e, ainda jovem, trabalhava para um senhor, dono de uma livraria. Josefina perambulava alegremente pelas ruas vendendo livros velhos, de páginas amarelas, que combinavam com aquelas ruas, com aquele tempo antigo, aquele mundo amarelado. O chão das cidades era de terra e tudo ficava um tanto empoeirado com o movimento das pessoas.
Era comum ver outras crianças trabalhando naqueles tempos. Lá está Luís, varrendo a entrada da taverna de seu pai. Cá, Amália carrega um cesto de flores e passa cumprimentando alegremente Josefina. Mais adiante, vemos a barraca de frutas onde Carolina ajuda a mãe. Subitamente, Gregório passa correndo atrás de Martin, sinuosos por entre as pessoas, que se queixam porque os meninos esbarram em tudo conforme passam. Muitas crianças havia na cidade.
A família de Josefina era muito pobre. Faltava bastante coisa para comer em casa. Josefina não conhecia o seu pai e sua mãe não falava sobre ele. Não tinham parentes próximos. As pessoas com quem mais se relacionavam era os próprios moradores locais, com quem Josefina e a mãe se encontravam ao visitar o centro da cidade ou ao ir à igreja.
A cidadezinha de Josefina recebia muitos viajantes que buscavam os produtos vendidos na feira, no centro. Era a estes que a menina tentava vender os livros que trazia na pesada cesta.
Josefina gostava muito de livros. Sempre rondava a livraria da cidade. Para ela, não havia lugar mais grandioso no mundo. Desde muito pequena, gostava de ir lá para olhar. Olhar aquelas prateleiras repletas de livros, todos formando um bloco só, impecavelmente enfileirados. Olhar o movimento das pessoas, folheando os livros, comentando os assuntos. Algumas pessoas chegavam trazendo cópias de papel para o dono da livraria. E Josefina ficava ali, maravilhada. Todo o restante do mundo era tão óbvio: a barraca de frutas; a taverna onde os homens iam beber; as crianças jogando pedras no rio ou correndo atrás dos gatos ou atrás umas das outras. Ali Josefina sentia algo mágico. Algo indecifrável. O que havia de tão interessante dentro daqueles pedaços de papel? Por que alguns eram grandes, outros pequenos, alguns com capas feias, outros muito coloridos? A mãe de Josefina não sabia ler. Não tinham livros em casa. As demais crianças também não sabiam, exceto Quésio, o filho do prefeito. Mas poucas vezes ele brincava com as outras crianças, pois ficava a maior parte do tempo dentro da mansão do prefeito. As crianças o viam brincando com os empregados de seu pai no grande jardim de casa, mas raramente o menino se aproximava da grade, verificava se ninguém estava olhando, pulava o muro e ia brincar com os outros garotos.
Certa vez, Josefina levou um livro escondido da livraria para Quésio ler para ela. O menino falou que não leria, pois detestava livros. Seu pai o obrigava a ter aulas de leitura com o padre, mas ele detestava e fugia das aulas sempre que podia. Josefina ficou triste, pois aquele livro era tão bonito, e ela ficou a imaginar o que haveria ali dentro. Pensava naquilo que era dito na igreja e imaginou se conteria anjos, carneirinhos, pastores. Lembrava-se também das histórias que ouvia de sua mãe, sobre fadas e dragões. Imaginou o rei, distante, sentado em seu trono de ouro, como dizem. Pelo que falam, ele é um tanto gordinho, porque come demais. E como o rei come! Uma vez esteve na cidade um funcionário da corte e disse que era comum comerem um leitão em todo jantar. Josefina ficava com pena dos porquinhos, assim como das vacas e dos frangos. Ali em sua cidade apenas comiam animais quando a cidade estava em festa, pois eram muito caros. Normalmente os animais eram vendidos para os viajantes, e a menina se entristecia ao vê-los, pois sabia que eram levados para serem comidos por homens gulosos. Quem sabe pelo próprio rei! Ela gostava dos animais. Eles lhe faziam companhia quando ela se sentia sozinha, e ela lhes contava as histórias que imaginava nos livros.
Mas chegou o momento em que a menina já era forte o bastante para ajudar a mãe além das tarefas de casa. Um belo dia o dono da livraria apareceu em sua casa e falou:
- Essa menina está sempre zanzando na livraria. Eu tenho uma idéia para ela, se a senhora concordar...
E foi assim que Josefina foi contratada. Durante o dia, ela carregava um cesto com livros e andava pela cidade oferecendo-os aos viajantes. Não pagava muito, mas o dono da livraria deixava Josefina ficar com alguns livros. Algumas vezes ele lhe falava sobre um ou outro, para que ela pudesse impressionar os clientes, mas o homem não tinha muita paciência. Ele não gostava tanto de livros, mas sim de vender livros. Para falar a verdade, se pudesse, Josefina jamais venderia os livros. Ficaria com todos para si.
A menina passou, então, a folhear os livros que levava para casa. Alguns eram só de palavras, outros tinham algumas poucas figuras no meio dos textos, e outros eram praticamente só de desenhos, com poucas palavras embaixo. Josefina folheava e folheava. Inventava histórias sem fim. Imaginava-se escrevendo aqueles livros e, a cada página virada, pensava num acontecimento mais interessante, mais surpreendente a cada esquina.
Nos livros mais coloridos, imaginava histórias alegres, de príncipes e de princesas. Imaginava uma princesa, como si, sozinha, num castelo, acompanhada apenas de sonhos. E imaginava um príncipe, distante. Ele seria belo e bravo. Um guerreiro destemido à procura de uma donzela à salvar. Mas a princesa, pobrezinha, nada podia fazer para chamar a atenção do seu príncipe encantado. Permanecia presa. Seus sonhos viajavam, chegavam até ele, mas o príncipe não os conseguia ouvir. Perseguia dragões, matava gigantes, salvava vilarejos, mas nunca ouvia o choro abafado da princesa, abandonada no alto da torre, sozinha, com seus sonhos e lágrimas. O príncipe buscava aventuras, descobrir novas terras, derrotar inimigos. Não conseguia ver a pobre princeza em meio a tantas emoções. E a princesa permanecia ali. Assistia só de longe seu príncipe encantado, sem poder jamais tocá-lo. Afinal, esse príncipe encantado era mesmo um bocó, só pensava em aventuras bobas e não via que a princezinha estava triste. Por fim ela ficaria ali, conformada. Talvez até feliz por não ter sido encontrada por esse príncipe boboca. Sobre o que conversariam? Ele falaria de matar dragões, e ela de sonhos. Ele sairia para aventuras com seus amigos, iriam caçar animais, matar inimigos, e comemorar bebendo na taverna. Talvez fosse melhor mesmo para a princesa seguir sozinha. Josefina já havia visto os homens que bebem na taverna e não gostava do jeito deles. Ficavam estranhos, vermelhos, falavam coisas feias e tinham um cheiro ruim. A princesa certamente não gostaria do cheio do príncipe bêbado, ia querer que ele ficasse longe. Afinal por que uma princesa precisa ficar esperando por um príncipe para ser salva, não é mesmo? A princesa tinha seus sonhos, sua imaginação, e mesmo trancada naquela torre fria, invisível, sem jamais ser ouvida pelo príncipe encantado, não deixava de ser uma princesa.
Mesmo que ele não gostasse, Josefina levava para Quésio alguns livros e perguntava sobre o significado das palavras. Ou então perguntava que som tinham, perguntava o que estava escrito sob uma certa figura, e assim ia inquirindo o menino. Muitas vezes ele não respondia, noutras se gabava de ter vários livros em casa. Tinha mais livros que a livraria toda, e livros mais bonitos, de capas douradas, com figuras exuberantes, com enfeites de toda sorte. Josefina adorava quando o menino falava sobre as riquezas de sua casa, pois aí ela aproveitava para perguntar mais e mais, e ele, querendo mostrar o quanto sua família é abastada, não poupava detalhes. Contudo, a alegria de Josefina durava pouco e logo o menino se entediava e saía correndo atrás dos outros moleques; ou corria de algum empregado que percebia que ele havia fugido da casa e vinha de sopetão atrás dele.
Voltando para casa, Josefina continuava a folhear, a imaginar, mas agora também aos poucos tentava decifrar o que diziam aquelas palavras. Juntava o som de umas aqui, lembrava o significado de outras ali, e de repente as coisas começavam a fazer sentido. Josefina já conseguia entender o que diziam certas palavras; depois certas frases; depois parágrafos! A menina estava radiante. Em poucos meses trabalhando na livraria ela já conseguia ler várias páginas. E adorava! Os livros eram mesmo fascinantes. Falavam de coisas que ela jamais havia ouvido falar; descreviam lugares lindos; contavam belas histórias; narravam acontecimentos; discutiam questões; falavam de política, de sociedade, do campo, das pessoas, dos animais.
Josefina lia e lia. A princípio sua mãe ficou preocupada, afinal que tanto que essa menina lê? De que vai servir a ela esse monte de leitura, senão para deixar os olhos tortos? Leitura é coisa de gente rica, de quem não precisa se cansar no dia a dia para trazer comida para casa. E, afinal, o que uma criança iria entender daquele monte de livro?
O dono da livraria, porém, acalmou a mãe de Josefina. Aquilo poderia ser bom para os negócios. Imagine só, uma criança jovem e pobre, mas assídua na leitura? Certamente impressionaria seus clientes.
Agora, quando Josefina oferecia os livros, fazia questão de comentá-los. Em pouco tempo, leu inúmeros livros e praticamente não havia uma única obra sobre a qual ela nada pudesse falar.
Um dia ela estava contando para um jovem caixeiro-viajante a história de um livro, quando outro homem, em nobres trajes, se aproximou. Ouvindo a história contada pela menina, o homem exclamou:
- Vejam só, uma pequena amante de livros. Mocinha, a quem queres enganar? É claro que o teu patrão te fizeste decorar este pequeno texto. Onde já se viu, uma camponesa analfabeta crítica literária?
E o homem se pôs a rir, dirigindo-se aos outros homens que o acompanhavam, que fizeram o mesmo.
- Não senhor, eu não sou analfabeta. Aprendi a ler e estou contanto a impressão que tive do livro. - respondeu, humildemente, a menina.
- Mas é claro que és analfabeta. Onde uma menina como tu poderia aprender a ler? E logo percebe-se que tudo que falaste está em desacordo com o livro.
- Meu senhor, eu li esse livro diversas vezes. Tem certeza que não é o senhor que está enganado sobre ele?
Josefina não ouviu resposta. Uma bofetada lhe acertou o rosto. Um dos acompanhantes do homem lhe desferiu o golpe e acrescentou:
- Sua imunda, como pretendes falar assim com o visconde? Queres ir presa? Ou preferes apanhar ainda mais?
Afinal, não seria a última vez que Josefina apanharia...
Josefina encontra-se trancada em uma prisão. Por seu rosto corre sangue. Todo seu corpo dói e ela mal consegue se erguer do chão frio da cela. Vários anos se passaram desde a primeira vez que a menina foi esbofeteada na praça de sua cidade, mas aquele dia jamais saiu de sua mente. Naquele dia a inocência de Josefina começou a morrer. Ela voltou para casa chorando. O dono da livraria, percebendo o movimento estranho, se aproximou às pressas, à tempo de pedir mil desculpas ao visconde pela impetulância de sua pequena funcionária. Garantiu que aquilo jamais se repetiria e despediu a menina, ordenando, ainda, que ela devolvesse todos os livros que havia levado da livraria, com a ameaça de ser acusada de ladra.
A menina chegou em casa, os olhos inundados por lágrimas, que apenas permitiam ver a bela fileira de livros, perfeitamente organizados a um canto. Ela correu em direção a eles e se prostou no chão, ao lado, chorando incessantemente. Seus sonhos seriam levados para longe. E aquele estúpido príncipe continua lá, longe, bebendo e brincando de aventuras, sem perceber que a princeza está triste, amedrontada, precisando de sua ajuda.
Mas a ajuda nunca veio...
Josefina foi aprendendo que não havia príncipe para ser esperado; não havia herói cavalgando por este mundo, lutando contra dragões e salvando pessoas. Havia apenas mercadores. De frutas, de animais, de livros, de sonhos... se preocupavam em vender flores, não cultivá-las; vender livros, sem lê-los; magoar pessoas, sem entendê-las.
E assim, hoje, presa numa cela fria, enfiada em trapos e deitada sobre pedras tortas, embebidas no seu próprio sangue, Josefina não esperava que alguém aparecesse para salvá-la. Estava só. E só ficaria.
CONTINUA...
Era comum ver outras crianças trabalhando naqueles tempos. Lá está Luís, varrendo a entrada da taverna de seu pai. Cá, Amália carrega um cesto de flores e passa cumprimentando alegremente Josefina. Mais adiante, vemos a barraca de frutas onde Carolina ajuda a mãe. Subitamente, Gregório passa correndo atrás de Martin, sinuosos por entre as pessoas, que se queixam porque os meninos esbarram em tudo conforme passam. Muitas crianças havia na cidade.
A família de Josefina era muito pobre. Faltava bastante coisa para comer em casa. Josefina não conhecia o seu pai e sua mãe não falava sobre ele. Não tinham parentes próximos. As pessoas com quem mais se relacionavam era os próprios moradores locais, com quem Josefina e a mãe se encontravam ao visitar o centro da cidade ou ao ir à igreja.
A cidadezinha de Josefina recebia muitos viajantes que buscavam os produtos vendidos na feira, no centro. Era a estes que a menina tentava vender os livros que trazia na pesada cesta.
Josefina gostava muito de livros. Sempre rondava a livraria da cidade. Para ela, não havia lugar mais grandioso no mundo. Desde muito pequena, gostava de ir lá para olhar. Olhar aquelas prateleiras repletas de livros, todos formando um bloco só, impecavelmente enfileirados. Olhar o movimento das pessoas, folheando os livros, comentando os assuntos. Algumas pessoas chegavam trazendo cópias de papel para o dono da livraria. E Josefina ficava ali, maravilhada. Todo o restante do mundo era tão óbvio: a barraca de frutas; a taverna onde os homens iam beber; as crianças jogando pedras no rio ou correndo atrás dos gatos ou atrás umas das outras. Ali Josefina sentia algo mágico. Algo indecifrável. O que havia de tão interessante dentro daqueles pedaços de papel? Por que alguns eram grandes, outros pequenos, alguns com capas feias, outros muito coloridos? A mãe de Josefina não sabia ler. Não tinham livros em casa. As demais crianças também não sabiam, exceto Quésio, o filho do prefeito. Mas poucas vezes ele brincava com as outras crianças, pois ficava a maior parte do tempo dentro da mansão do prefeito. As crianças o viam brincando com os empregados de seu pai no grande jardim de casa, mas raramente o menino se aproximava da grade, verificava se ninguém estava olhando, pulava o muro e ia brincar com os outros garotos.
Certa vez, Josefina levou um livro escondido da livraria para Quésio ler para ela. O menino falou que não leria, pois detestava livros. Seu pai o obrigava a ter aulas de leitura com o padre, mas ele detestava e fugia das aulas sempre que podia. Josefina ficou triste, pois aquele livro era tão bonito, e ela ficou a imaginar o que haveria ali dentro. Pensava naquilo que era dito na igreja e imaginou se conteria anjos, carneirinhos, pastores. Lembrava-se também das histórias que ouvia de sua mãe, sobre fadas e dragões. Imaginou o rei, distante, sentado em seu trono de ouro, como dizem. Pelo que falam, ele é um tanto gordinho, porque come demais. E como o rei come! Uma vez esteve na cidade um funcionário da corte e disse que era comum comerem um leitão em todo jantar. Josefina ficava com pena dos porquinhos, assim como das vacas e dos frangos. Ali em sua cidade apenas comiam animais quando a cidade estava em festa, pois eram muito caros. Normalmente os animais eram vendidos para os viajantes, e a menina se entristecia ao vê-los, pois sabia que eram levados para serem comidos por homens gulosos. Quem sabe pelo próprio rei! Ela gostava dos animais. Eles lhe faziam companhia quando ela se sentia sozinha, e ela lhes contava as histórias que imaginava nos livros.
Mas chegou o momento em que a menina já era forte o bastante para ajudar a mãe além das tarefas de casa. Um belo dia o dono da livraria apareceu em sua casa e falou:
- Essa menina está sempre zanzando na livraria. Eu tenho uma idéia para ela, se a senhora concordar...
E foi assim que Josefina foi contratada. Durante o dia, ela carregava um cesto com livros e andava pela cidade oferecendo-os aos viajantes. Não pagava muito, mas o dono da livraria deixava Josefina ficar com alguns livros. Algumas vezes ele lhe falava sobre um ou outro, para que ela pudesse impressionar os clientes, mas o homem não tinha muita paciência. Ele não gostava tanto de livros, mas sim de vender livros. Para falar a verdade, se pudesse, Josefina jamais venderia os livros. Ficaria com todos para si.
A menina passou, então, a folhear os livros que levava para casa. Alguns eram só de palavras, outros tinham algumas poucas figuras no meio dos textos, e outros eram praticamente só de desenhos, com poucas palavras embaixo. Josefina folheava e folheava. Inventava histórias sem fim. Imaginava-se escrevendo aqueles livros e, a cada página virada, pensava num acontecimento mais interessante, mais surpreendente a cada esquina.
Nos livros mais coloridos, imaginava histórias alegres, de príncipes e de princesas. Imaginava uma princesa, como si, sozinha, num castelo, acompanhada apenas de sonhos. E imaginava um príncipe, distante. Ele seria belo e bravo. Um guerreiro destemido à procura de uma donzela à salvar. Mas a princesa, pobrezinha, nada podia fazer para chamar a atenção do seu príncipe encantado. Permanecia presa. Seus sonhos viajavam, chegavam até ele, mas o príncipe não os conseguia ouvir. Perseguia dragões, matava gigantes, salvava vilarejos, mas nunca ouvia o choro abafado da princesa, abandonada no alto da torre, sozinha, com seus sonhos e lágrimas. O príncipe buscava aventuras, descobrir novas terras, derrotar inimigos. Não conseguia ver a pobre princeza em meio a tantas emoções. E a princesa permanecia ali. Assistia só de longe seu príncipe encantado, sem poder jamais tocá-lo. Afinal, esse príncipe encantado era mesmo um bocó, só pensava em aventuras bobas e não via que a princezinha estava triste. Por fim ela ficaria ali, conformada. Talvez até feliz por não ter sido encontrada por esse príncipe boboca. Sobre o que conversariam? Ele falaria de matar dragões, e ela de sonhos. Ele sairia para aventuras com seus amigos, iriam caçar animais, matar inimigos, e comemorar bebendo na taverna. Talvez fosse melhor mesmo para a princesa seguir sozinha. Josefina já havia visto os homens que bebem na taverna e não gostava do jeito deles. Ficavam estranhos, vermelhos, falavam coisas feias e tinham um cheiro ruim. A princesa certamente não gostaria do cheio do príncipe bêbado, ia querer que ele ficasse longe. Afinal por que uma princesa precisa ficar esperando por um príncipe para ser salva, não é mesmo? A princesa tinha seus sonhos, sua imaginação, e mesmo trancada naquela torre fria, invisível, sem jamais ser ouvida pelo príncipe encantado, não deixava de ser uma princesa.
Mesmo que ele não gostasse, Josefina levava para Quésio alguns livros e perguntava sobre o significado das palavras. Ou então perguntava que som tinham, perguntava o que estava escrito sob uma certa figura, e assim ia inquirindo o menino. Muitas vezes ele não respondia, noutras se gabava de ter vários livros em casa. Tinha mais livros que a livraria toda, e livros mais bonitos, de capas douradas, com figuras exuberantes, com enfeites de toda sorte. Josefina adorava quando o menino falava sobre as riquezas de sua casa, pois aí ela aproveitava para perguntar mais e mais, e ele, querendo mostrar o quanto sua família é abastada, não poupava detalhes. Contudo, a alegria de Josefina durava pouco e logo o menino se entediava e saía correndo atrás dos outros moleques; ou corria de algum empregado que percebia que ele havia fugido da casa e vinha de sopetão atrás dele.
Voltando para casa, Josefina continuava a folhear, a imaginar, mas agora também aos poucos tentava decifrar o que diziam aquelas palavras. Juntava o som de umas aqui, lembrava o significado de outras ali, e de repente as coisas começavam a fazer sentido. Josefina já conseguia entender o que diziam certas palavras; depois certas frases; depois parágrafos! A menina estava radiante. Em poucos meses trabalhando na livraria ela já conseguia ler várias páginas. E adorava! Os livros eram mesmo fascinantes. Falavam de coisas que ela jamais havia ouvido falar; descreviam lugares lindos; contavam belas histórias; narravam acontecimentos; discutiam questões; falavam de política, de sociedade, do campo, das pessoas, dos animais.
Josefina lia e lia. A princípio sua mãe ficou preocupada, afinal que tanto que essa menina lê? De que vai servir a ela esse monte de leitura, senão para deixar os olhos tortos? Leitura é coisa de gente rica, de quem não precisa se cansar no dia a dia para trazer comida para casa. E, afinal, o que uma criança iria entender daquele monte de livro?
O dono da livraria, porém, acalmou a mãe de Josefina. Aquilo poderia ser bom para os negócios. Imagine só, uma criança jovem e pobre, mas assídua na leitura? Certamente impressionaria seus clientes.
Agora, quando Josefina oferecia os livros, fazia questão de comentá-los. Em pouco tempo, leu inúmeros livros e praticamente não havia uma única obra sobre a qual ela nada pudesse falar.
Um dia ela estava contando para um jovem caixeiro-viajante a história de um livro, quando outro homem, em nobres trajes, se aproximou. Ouvindo a história contada pela menina, o homem exclamou:
- Vejam só, uma pequena amante de livros. Mocinha, a quem queres enganar? É claro que o teu patrão te fizeste decorar este pequeno texto. Onde já se viu, uma camponesa analfabeta crítica literária?
E o homem se pôs a rir, dirigindo-se aos outros homens que o acompanhavam, que fizeram o mesmo.
- Não senhor, eu não sou analfabeta. Aprendi a ler e estou contanto a impressão que tive do livro. - respondeu, humildemente, a menina.
- Mas é claro que és analfabeta. Onde uma menina como tu poderia aprender a ler? E logo percebe-se que tudo que falaste está em desacordo com o livro.
- Meu senhor, eu li esse livro diversas vezes. Tem certeza que não é o senhor que está enganado sobre ele?
Josefina não ouviu resposta. Uma bofetada lhe acertou o rosto. Um dos acompanhantes do homem lhe desferiu o golpe e acrescentou:
- Sua imunda, como pretendes falar assim com o visconde? Queres ir presa? Ou preferes apanhar ainda mais?
Afinal, não seria a última vez que Josefina apanharia...
Josefina encontra-se trancada em uma prisão. Por seu rosto corre sangue. Todo seu corpo dói e ela mal consegue se erguer do chão frio da cela. Vários anos se passaram desde a primeira vez que a menina foi esbofeteada na praça de sua cidade, mas aquele dia jamais saiu de sua mente. Naquele dia a inocência de Josefina começou a morrer. Ela voltou para casa chorando. O dono da livraria, percebendo o movimento estranho, se aproximou às pressas, à tempo de pedir mil desculpas ao visconde pela impetulância de sua pequena funcionária. Garantiu que aquilo jamais se repetiria e despediu a menina, ordenando, ainda, que ela devolvesse todos os livros que havia levado da livraria, com a ameaça de ser acusada de ladra.
A menina chegou em casa, os olhos inundados por lágrimas, que apenas permitiam ver a bela fileira de livros, perfeitamente organizados a um canto. Ela correu em direção a eles e se prostou no chão, ao lado, chorando incessantemente. Seus sonhos seriam levados para longe. E aquele estúpido príncipe continua lá, longe, bebendo e brincando de aventuras, sem perceber que a princeza está triste, amedrontada, precisando de sua ajuda.
Mas a ajuda nunca veio...
Josefina foi aprendendo que não havia príncipe para ser esperado; não havia herói cavalgando por este mundo, lutando contra dragões e salvando pessoas. Havia apenas mercadores. De frutas, de animais, de livros, de sonhos... se preocupavam em vender flores, não cultivá-las; vender livros, sem lê-los; magoar pessoas, sem entendê-las.
E assim, hoje, presa numa cela fria, enfiada em trapos e deitada sobre pedras tortas, embebidas no seu próprio sangue, Josefina não esperava que alguém aparecesse para salvá-la. Estava só. E só ficaria.
CONTINUA...
sábado, 22 de junho de 2013
Rádio velho no espaço
Não precisa fugir para outro planeta. Habitamos mundos diferentes. Que se cruzaram no céu por um instante. E se perderam na imensidão do infinito. No máximo recebo vagas ondas no meu rádio empoeirado e ruidoso. Vindas de um além distante e esquecido. Agora vou desligá-lo. E jogar as pilhas fora.
quinta-feira, 20 de junho de 2013
Desejos impossíveis, improváveis, indesejáveis
Uma vez quis transmitir a felicidade que sentia, mas não consegui fazer-me entender;
tentei dar o amor que tinha, mas não consegui fazê-lo ser recebido;
tentei mostrar a tristeza que me assolava, mas não fui confortado.
Hoje sinto paz. E o desejo de que também a tenhas. Mas, uma vez mais, só a mim ela serve.
Uma vez me disseste que meus problemas eram problemas meus. Acontece que não só eles, mas minhas alegrias também são apenas alegrias minhas.
Por mais que eu queira, não posso te passar a calma que me toma.
Tudo me impede de ta dar, mas agora não é diferente de antes ou do que sempre foi.
Tudo se formou para dar certeza de que não será de mim que tua paz provirá, mas apenas de ti mesma. O recado que recebi do destino é claro: "afasta-te ou só piorarás as coisas. Sabemos o que fazemos quando abandonamos alguém à própria sorte. Funcionou contigo, então não reclamas e te afastas. Não ouses te aproximar, do contrário serás tu também abandonado, como antes, e usado em prol do nosso objetivo. E lembre-te, se tu conseguiste, não prives os demais de conquistarem suas delícias com os próprios méritos. Esta é única maneira de conquistá-los, aliás."
O máximo que posso fazer, e certamente farei, é não atrapalhar.
Mas temo que nem nisso tu poderás confiar, e nem aí poderás achar algo que esmoreça tuas tantas dores. Dores não pequenas, ainda aumentadas por minha ação. Ação irreversível, cujos danos, por mais que eu queira, não posso reverter. A dor tem vida própria e segue sozinha depois de criada. Mas certamente tem também uma razão de ser.
Afinal, do destino, fiz-me ferramenta, embora para ofício a que não me havia candidatado. E agora, uma vez mais, prossigo. Nada posso fazer, senão torcer. E sei que nem o conforto de acreditar na sinceridade de meus votos tu terás. Nada mesmo posso fazer, nada posso oferecer. É um nada tão pleno, tão absoluto, que nem sequer posso descrevê-lo. Não há impurezas, migalhas ou vestígios insignificantes de alguma utilidade que possa eu ter. Não. Nada disso. Apenas o vazio. Deserto incólume. Nada. Branco. Vazio.
Não queria ter sido usado com esse intuito. Mas, afinal, não cabe a mim decidir sobre o que pensas e sentes. Tudo que eu disser será tomado como mau. Já não tenho controle sobre isso, se alguma vez o tive.
Serás, contra minha vontade, atormentada pela imagem que tens de mim. Com minha colaboração, é certo, mas jamais com minha aquiescência. Mas serás antes atormentada por ti mesma, até que percebas que apenas a ti compete encontrar tua paz. E, acrescentando mais um conselho que não poderá surtir qualquer efeito a menos que chegues a ele sozinha: a falta da paz, sim, demonstra que algo fazes de errado. Não culpes o mundo. Cabe apenas a ti. O mundo pode te dar problemas, mas jamais usurpar o conforto que trazes no coração. Sofrer é um erro teu. Deves tu encontrá-lo. Deves tu, também, chegar a conclusão de que é hora de procurar, de que é hora de mudar. Que há algo de errado, e algo de errado ao alcance de tuas mãos. É possível! Deves tu perdoar os demais, perdoar a ti, e começar a entender. Uma vez mais, não serei eu ou meus conselhos que poderão ajudar no mínimo que seja. Falo antes para mim mesmo, já que o alheio por ti passa inerte, sem deixar qualquer marca, sem afetar, sem mudar, sem fazer-se sentir. És intangível, exceto para a própria matéria que te compõe. Atravessam a ti todos os espíritos, exceto tua própria alma. Pesada alma.
E como não é reconhecimento que desejo, não espero que seja esse texto lido, tanto mais quanto nada há de bem que ele possa fazer. Em vez disso, que ao menos meus pensamentos de amor, anônimos, possam a ti chegar e ajudar com essa batalha. Permanecerei anônimo, incognoscível, talvez odiado, mas já não importa. Desejar o bem é o que me dá paz. Talvez esse texto seja lido. Talvez um sopro divino revele a verdadeira essência do que tento nele expressar. Talvez em meio a tantos erros e mágoas, floresça um acerto e acalento. Talvez eu seja, ao menos, uma preocupação a menos, entre tantas.
Não conto com isso, contudo. Como disse, já me dou por satisfeito por não atrapalhar. Desconheço a verdade, mas alegro-me a pensar que és esperta e vais saber discernir o que é necessário. Quanto a mim, o meu caminho já conheço. Só me resta nele continuar.
tentei dar o amor que tinha, mas não consegui fazê-lo ser recebido;
tentei mostrar a tristeza que me assolava, mas não fui confortado.
Hoje sinto paz. E o desejo de que também a tenhas. Mas, uma vez mais, só a mim ela serve.
Uma vez me disseste que meus problemas eram problemas meus. Acontece que não só eles, mas minhas alegrias também são apenas alegrias minhas.
Por mais que eu queira, não posso te passar a calma que me toma.
Tudo me impede de ta dar, mas agora não é diferente de antes ou do que sempre foi.
Tudo se formou para dar certeza de que não será de mim que tua paz provirá, mas apenas de ti mesma. O recado que recebi do destino é claro: "afasta-te ou só piorarás as coisas. Sabemos o que fazemos quando abandonamos alguém à própria sorte. Funcionou contigo, então não reclamas e te afastas. Não ouses te aproximar, do contrário serás tu também abandonado, como antes, e usado em prol do nosso objetivo. E lembre-te, se tu conseguiste, não prives os demais de conquistarem suas delícias com os próprios méritos. Esta é única maneira de conquistá-los, aliás."
O máximo que posso fazer, e certamente farei, é não atrapalhar.
Mas temo que nem nisso tu poderás confiar, e nem aí poderás achar algo que esmoreça tuas tantas dores. Dores não pequenas, ainda aumentadas por minha ação. Ação irreversível, cujos danos, por mais que eu queira, não posso reverter. A dor tem vida própria e segue sozinha depois de criada. Mas certamente tem também uma razão de ser.
Afinal, do destino, fiz-me ferramenta, embora para ofício a que não me havia candidatado. E agora, uma vez mais, prossigo. Nada posso fazer, senão torcer. E sei que nem o conforto de acreditar na sinceridade de meus votos tu terás. Nada mesmo posso fazer, nada posso oferecer. É um nada tão pleno, tão absoluto, que nem sequer posso descrevê-lo. Não há impurezas, migalhas ou vestígios insignificantes de alguma utilidade que possa eu ter. Não. Nada disso. Apenas o vazio. Deserto incólume. Nada. Branco. Vazio.
Não queria ter sido usado com esse intuito. Mas, afinal, não cabe a mim decidir sobre o que pensas e sentes. Tudo que eu disser será tomado como mau. Já não tenho controle sobre isso, se alguma vez o tive.
Serás, contra minha vontade, atormentada pela imagem que tens de mim. Com minha colaboração, é certo, mas jamais com minha aquiescência. Mas serás antes atormentada por ti mesma, até que percebas que apenas a ti compete encontrar tua paz. E, acrescentando mais um conselho que não poderá surtir qualquer efeito a menos que chegues a ele sozinha: a falta da paz, sim, demonstra que algo fazes de errado. Não culpes o mundo. Cabe apenas a ti. O mundo pode te dar problemas, mas jamais usurpar o conforto que trazes no coração. Sofrer é um erro teu. Deves tu encontrá-lo. Deves tu, também, chegar a conclusão de que é hora de procurar, de que é hora de mudar. Que há algo de errado, e algo de errado ao alcance de tuas mãos. É possível! Deves tu perdoar os demais, perdoar a ti, e começar a entender. Uma vez mais, não serei eu ou meus conselhos que poderão ajudar no mínimo que seja. Falo antes para mim mesmo, já que o alheio por ti passa inerte, sem deixar qualquer marca, sem afetar, sem mudar, sem fazer-se sentir. És intangível, exceto para a própria matéria que te compõe. Atravessam a ti todos os espíritos, exceto tua própria alma. Pesada alma.
E como não é reconhecimento que desejo, não espero que seja esse texto lido, tanto mais quanto nada há de bem que ele possa fazer. Em vez disso, que ao menos meus pensamentos de amor, anônimos, possam a ti chegar e ajudar com essa batalha. Permanecerei anônimo, incognoscível, talvez odiado, mas já não importa. Desejar o bem é o que me dá paz. Talvez esse texto seja lido. Talvez um sopro divino revele a verdadeira essência do que tento nele expressar. Talvez em meio a tantos erros e mágoas, floresça um acerto e acalento. Talvez eu seja, ao menos, uma preocupação a menos, entre tantas.
Não conto com isso, contudo. Como disse, já me dou por satisfeito por não atrapalhar. Desconheço a verdade, mas alegro-me a pensar que és esperta e vais saber discernir o que é necessário. Quanto a mim, o meu caminho já conheço. Só me resta nele continuar.
sábado, 15 de junho de 2013
Nota literária
A língua é algo extraordinário. Serve a diversos propósitos. Contudo, podemos fazer apenas um texto de cada vez, de modo que escolhas devem ser feitas. E escolhas implicam renúncias.
Assim, por vezes escolho uma forma de expressão mais técnica e rebuscada. Contando com um vocabulário mais amplo, consigo escolher palavras mais precisas para dar nome às minhas idéias. O texto fica mais exato, claro (com menor margem para ambiguidades), etc. Contudo, perde-se também com isso. Primeiramente, o que se ganha em precisão, perde-se em facilidade. O texto se distancia de nossa experiência cotidiana. Para compreender as diversas palavras de um vocabulário amplo, precisa o leitor dispor também de um grande cabedal vernacular; precisa estar familiarizado com estruturas linguísticas menos comuns, conjunções pouco utilizadas, formas complexas. Depois, torna-se o texto também mais cansativo. Requer maior atenção, mais desgaste psíquico acompanhando a linha de raciocínio, mais memória para ligar as idéias distintas. E, por fim, o texto torna-se demasiado impessoal, frio, formal.
Enganam-se os incautos, que esperam obter maior expressividade com palavriado rebuscado. Ao contrário, é a simplicidade que toca os corações. As paixões são simples, o intelecto é que é complexo. Existe algo mais singelo que o que sentem os apaixonados? Felizes só de estarem ali, de mãos dadas, olhos nos olhos. Existe algo mais tocante que a felicidade da criança encotrando seu herói? São coisas simples, fáceis de entender. Diferem do intelecto, dos nomes de neutrotransmissores, das tramas de conexões sinápticas, das denominações neuroanatômicas, da terminologia psicológica. A expressão acontece onde menos há palavras, e talvez por isso tanto se diga quando alguma emoção é forte demais que alguém "perdeu as palavras". O pôr-do-Sol, o nascimento de um filho, uma foto antiga. Que serventia tem as palavras? Um olhar, um suspiro. A lágrima derramada; outra, contida. Saudade. E como é indescritível a saudade. Aquilo que se pode tocar, ou somente observar à distância, ou apenas imaginar.
As palavras passam vergonha quando se as tenta utilizar nessa situação. Não dão conta do recado, diante dessa plenitude. Tem-se aí, então, o valor dos artistas das palavras. Sabem escolher, dentre as palavras, aquelas que tem menos palavras e que dizem mais. Dizem o que não pode ser dito. Falam daquilo que sentimos, não do que vimos. Não falam das verdades. Falam do mar, das flores, de pássaros, do pôr-do-Sol ou do brilho da Lua, mas dizem muito mais. Falam das belas estrelas, purpurinas no negro vazio, cintilando, mas não se ouve a distância fria que delas nos separa, ou a aspereza de seu solo longínquo. Não. Ouve-se o brilho infantil que temos aqui dentro, perdido no vazio eterno que se construiu em volta. Não se fala de estrelas ao se falar de estrelas. Fala-se de gente e de saudade, de amores e decepções, de tristezas e esperanças. Fala-se de como olhar o céu é apenas apreciar um espelho, enorme e belo, daquilo que a gente carrega no íntimo. Vemo-nos nas banalidades do dia-a-dia, porque nossos desejos são banais; nossas vontades são simples; nossos amores, infantis.
E não se pode falar tudo de uma vez. Cada palavra só pode vir uma a uma. E aí cai a grande decisão a ser feita quando se põe alguém a escrever. Descrever o mundo ou se expressar nele? Dizer o que as palavras dizem, ou o que a alma grita? Fazer-se entender, ou deixar livres os sons para o universo formar as palavras que queira ouvir?
Não existe decisão acertada. Cada uma serve a um propósito. Pode-se, inclusive, temperar a exatidão com um pouco de humanidade, ou dar algum rumo ao total desconcerto das paixões. Deve-se, aí sim, dosar-se o tanto que se mistura de cada um na fórmula, para não deixá-la demasiado aguada ou endurecida, dependendo do que se queira.
Esses cuidados sempre tentei ter. Nunca quis ser frio com seu coração, mas também não queria perder a razão em expressividade vazia. Fazia cada um de uma vez. Tratava como ciência, a ciência. E amolecia para falar de almas.
Não me entendestes, contudo, tu. Supuseste em mim encontrar a mediocridade que acostumada estava a ver em todos, talvez até em ti mesma. Não sou "a cold hearted scientist". Nunca estive refratário aos seus sentimentos. Não tanto quanto estiveste aos meus. Mas apenas uma palavra de cada vez podia ter te oferecido. E ouvindo os primeiros cantos da madrugada, pensaste conhecer todo o discurso de cor. Não ouviste o que eu tinha para dizer. Acusaste-me de não ter te entendido, quando nem qual compreensão eu tivera chegaste a saber.
Assim, por vezes escolho uma forma de expressão mais técnica e rebuscada. Contando com um vocabulário mais amplo, consigo escolher palavras mais precisas para dar nome às minhas idéias. O texto fica mais exato, claro (com menor margem para ambiguidades), etc. Contudo, perde-se também com isso. Primeiramente, o que se ganha em precisão, perde-se em facilidade. O texto se distancia de nossa experiência cotidiana. Para compreender as diversas palavras de um vocabulário amplo, precisa o leitor dispor também de um grande cabedal vernacular; precisa estar familiarizado com estruturas linguísticas menos comuns, conjunções pouco utilizadas, formas complexas. Depois, torna-se o texto também mais cansativo. Requer maior atenção, mais desgaste psíquico acompanhando a linha de raciocínio, mais memória para ligar as idéias distintas. E, por fim, o texto torna-se demasiado impessoal, frio, formal.
Enganam-se os incautos, que esperam obter maior expressividade com palavriado rebuscado. Ao contrário, é a simplicidade que toca os corações. As paixões são simples, o intelecto é que é complexo. Existe algo mais singelo que o que sentem os apaixonados? Felizes só de estarem ali, de mãos dadas, olhos nos olhos. Existe algo mais tocante que a felicidade da criança encotrando seu herói? São coisas simples, fáceis de entender. Diferem do intelecto, dos nomes de neutrotransmissores, das tramas de conexões sinápticas, das denominações neuroanatômicas, da terminologia psicológica. A expressão acontece onde menos há palavras, e talvez por isso tanto se diga quando alguma emoção é forte demais que alguém "perdeu as palavras". O pôr-do-Sol, o nascimento de um filho, uma foto antiga. Que serventia tem as palavras? Um olhar, um suspiro. A lágrima derramada; outra, contida. Saudade. E como é indescritível a saudade. Aquilo que se pode tocar, ou somente observar à distância, ou apenas imaginar.
As palavras passam vergonha quando se as tenta utilizar nessa situação. Não dão conta do recado, diante dessa plenitude. Tem-se aí, então, o valor dos artistas das palavras. Sabem escolher, dentre as palavras, aquelas que tem menos palavras e que dizem mais. Dizem o que não pode ser dito. Falam daquilo que sentimos, não do que vimos. Não falam das verdades. Falam do mar, das flores, de pássaros, do pôr-do-Sol ou do brilho da Lua, mas dizem muito mais. Falam das belas estrelas, purpurinas no negro vazio, cintilando, mas não se ouve a distância fria que delas nos separa, ou a aspereza de seu solo longínquo. Não. Ouve-se o brilho infantil que temos aqui dentro, perdido no vazio eterno que se construiu em volta. Não se fala de estrelas ao se falar de estrelas. Fala-se de gente e de saudade, de amores e decepções, de tristezas e esperanças. Fala-se de como olhar o céu é apenas apreciar um espelho, enorme e belo, daquilo que a gente carrega no íntimo. Vemo-nos nas banalidades do dia-a-dia, porque nossos desejos são banais; nossas vontades são simples; nossos amores, infantis.
E não se pode falar tudo de uma vez. Cada palavra só pode vir uma a uma. E aí cai a grande decisão a ser feita quando se põe alguém a escrever. Descrever o mundo ou se expressar nele? Dizer o que as palavras dizem, ou o que a alma grita? Fazer-se entender, ou deixar livres os sons para o universo formar as palavras que queira ouvir?
Não existe decisão acertada. Cada uma serve a um propósito. Pode-se, inclusive, temperar a exatidão com um pouco de humanidade, ou dar algum rumo ao total desconcerto das paixões. Deve-se, aí sim, dosar-se o tanto que se mistura de cada um na fórmula, para não deixá-la demasiado aguada ou endurecida, dependendo do que se queira.
Esses cuidados sempre tentei ter. Nunca quis ser frio com seu coração, mas também não queria perder a razão em expressividade vazia. Fazia cada um de uma vez. Tratava como ciência, a ciência. E amolecia para falar de almas.
Não me entendestes, contudo, tu. Supuseste em mim encontrar a mediocridade que acostumada estava a ver em todos, talvez até em ti mesma. Não sou "a cold hearted scientist". Nunca estive refratário aos seus sentimentos. Não tanto quanto estiveste aos meus. Mas apenas uma palavra de cada vez podia ter te oferecido. E ouvindo os primeiros cantos da madrugada, pensaste conhecer todo o discurso de cor. Não ouviste o que eu tinha para dizer. Acusaste-me de não ter te entendido, quando nem qual compreensão eu tivera chegaste a saber.
quinta-feira, 13 de junho de 2013
Hospitalidade
Eu sou a escuridão. Ninguém vê o que guardo, mas apenas imaginam conforme queiram o que está lá dentro escondido. Muitos supoem tesouros escondidos. Outros têm medo. E outros ainda ignoram as trevas, conhecendo apenas a luz. São poucos, contudo, que ousam adentrar. E cada qual encontra algo diferente. Alguns, depois de se machucarem nos espinhos escondidos no escuro, fogem correndo e bradando: "Cuidado! Cá existem monstros!". Outros têm a sorte de encontrar algumas delícias, e se perdem no invisível, tateando perenemente na tentativa de tê-las novamente. Mas nenhuma pessoa entende o que há no escuro. Cada qual conhece apenas aquele pouco que toca, nunca enxerga o todo. Muitos vêem figuras nas sombras. A imaginação prega peças quando não enxergamos. No fim, a escuridão é inescrutável. Fujo se alguém me joga alguma luz. Não estou aqui para ser conhecido. Estou para esconder. Para abrigar suas fantasias, para que deposite seus temores, para que esconda suas impurezas. Nenhuma monstruosidade, por pior que seja, parece feia no escuro. Somente o escuro ousa abrigar as maiores obscenidades, as maiores deformidades, dores, calamidades e barbáries. Aquilo que você depositou no escuro fica nele. As pessoas temem a sombra por não saberem o que há nela, mas todo o terrou que deixou comigo continua lá. Ninguém o vê, não se preocupe. Mas eu vi. Eu sou a escuridão e o que me procura não pode me ficar invisível. Aquilo que abraço me toca em toda a extensão. Engulo tudo que você me deposita. Somente eu conheço os seus terrores. Somente eu vejo o que há naquilo de escuridão que há em você. Escuridão sua que encontrou repouso na minha. Você chegou com um recipiente, cheio de escuridão e medo, e deixou comigo. Não sei se era seu interesse pedir que eu o guardasse para você, ou se apenas o segurava enquanto fugia das outras pessoas, que não deveriam vê-lo. Mas quando viu, estava escondida aqui, no lado mais escuro. E quando se viu cercada pelas trevas, quando viu os monstros do invisível se acercando e rodeando, rapidamente fugiu. Deixou para trás o seu pote de escuridão. Que jamais reencontrará. Ele se misturou ao escuro, se diluiu e incorporou. Somente à escuridão se mistura outra escuridão. Agora você entende? Porque ninguém vê o que há na escuridão de você? Porque só eu posso vê-la. Mas para isso teria de enfrentar perigos reais e imaginários. Teria de se arriscar, se perder em meio ao nada. Não, ninguém está disposto a isso. Saiba que seu segredo está seguro comigo e que, ao menos uma vez, alguém viu todas as sombras que lhe atormentam e, em vez de fugir, as abraçou. Olhei o que havia dentro do potinho que me trouxe, olhei para tudo de pior que há em você. Apertamos as mãos e mostrei a ele os aposentos que passaria a ocupar. A sua escuridão torna a minha ainda mais negra, mas não difere da substância mesma que me compõe. Fica até bonita no lugar onde a deixei. E você, uma vez mais, fugiu para a luz, desesperada com o que viu, e jamais adentrará o breu novamente.
quarta-feira, 5 de junho de 2013
O náufrago e o cirurgião
Afogam-se as minhas palavras. Outrora, fosse me dado um assunto e jorrariam palavras minhas sobre ele, opiniões, interpretações, considerações, críticas, análises. Mas sobre aquilo que realmente importa não consigo falar. Algo me impede a voz. Apenas deliro. É impressionante como somos capazes de fazer tanto mal, ainda que queiramos fazer apenas o bem. Chega um momento em que não conseguimos enxergar a linha que divide as coisas. Quando negar ajuda é egoísmo e quando passa a ser sobrevivência? Quando ferir ensina e quando maltrata? Onde termina o céu? Onde acaba o mar?
Sempre pensei muito sobre a distinção entre as coisas. No final, não há distinção. Interpretamos de acordo com o contexto que está dado. Assim, uma mesma ação ousada levará o título de coragem quando der bons frutos, e de irresponsabilidade quando malograr. O pai que castiga o filho, está traumatizando-o ou ensinando? E como saber, sem fazê-lo?
Dar-se em sacrifício para ajudar outrem: bondade sublime ou idiotice masoquista? Como saber? Dado o contexto em que vivemos, onde cada um só se preocupa consigo mesmo, parece que a segunda opção é a que vale. As pessoas cobram o bem que você lhes deixa de fazer, sem se aperceber do mal que lhe fazem.
Nunca tive más intenções, embora nem sempre tenha agido bem. Ou melhor, minto. Tive más intenções, mas que no momento me pareciam a justa retribuição aos ferimentos sofridos. Pura tolice! O mal nunca pode ser justo, o mal nunca pode ser o bem, por mais que tente se passar por ele. Mas como então, explicar o valor do sofrimento? Como desculpar-se o médico que fere o braço da criança em prantos, aterrorizada, em nome de um bem vacinal? Estará ele fazendo bem? Ou estará fazendo mal?
Dizem que o sofrimento ensina. Mas ensina o que? Ensina a sofrer?
E que um sofrimento menor capaz de aplacar outro maior é justificado. Eu já não sei o que dizer. Não me parece honesto decidir sobre um sofrimento que não se sente. O sofrimento alheio sempre nos parece mais ameno que aquele que consome nossa própria carne. Ou nossa própria alma.
E que um sofrimento menor capaz de aplacar outro maior é justificado. Eu já não sei o que dizer. Não me parece honesto decidir sobre um sofrimento que não se sente. O sofrimento alheio sempre nos parece mais ameno que aquele que consome nossa própria carne. Ou nossa própria alma.
Certa vez, conversando com uma pessoa muito querida, concluímos que não há sofrimento maior que aquele que aflige a alma. Desse-me Deus a possibilidade, não pensaria duas vezes em escolher a maior dor carnal em troca de completo alívio das aflições do espírito.
Mas não existe tal troca. Não existe tal alívio.
As dores do corpo são muito urgentes e, para saná-las, recorremos com pressa à quaisquer meios disponíveis. Colocamos o dedo queimado sob a corrente de água fria. Tomamos analgésicos para as dores do corpo. Usamos anestésicos para adormecer as feridas abertas. Um rapaz com a perna quebrada, não pensa senão em algo que lhe estanque a dor, mais que o sangramento. Buscamos o descanso quando o desgaste nos consome, quando os músculos dóem, quando continuar parece um enorme sacrifício. E buscamos o ar quando somos asfixiados! Respiramos, ofegantes, despertos novamente. São mesmo desejos muito urgentes!
Contudo, ainda mais urgentes são as dores da alma. Mas para estas não há remédio imediato. Não há procedimento que alivie a dor. Fazer uma cirurgia em um paciente, observá-lo com a pele cortada, a carne exposta, as vísceras remexidas, e sem anestesia, falar para que aguente, que a dor vai passar. Essa é a sensação de quem tem a alma aflita. A mente arde, seus pensamentos corróem como ácido. Não é possível pensar, agir. Tudo vira uma dolorosa confusão sem fim. Desespera-se por uma medida de alívio, mas nada pode parar a dor. Grita-se, chora-se, esperneia-se, tal qual faria o rapaz da perna quebrada, se deixado fosse no meio da multidão sem auxílio. Mas nenhum socorro vem.
Entretanto, o quadro é ainda mais tétrico. Não apenas falta um socorro imediato, mas também a previsão de alívio. Submetido à uma dolorosa cirurgia, o paciente ao menos conforta-se esperando que, ao término do procedimento, sua dor esmoreça, as feridas cicatrizem, os tecidos se recompanham, esqueçam o trauma a que foram submetidos e voltem a funcionar. Mas não com a alma. Nunca se sabe quando uma alma parará de doer. Talvez nunca. E essa incerteza corrói mais ainda. A falta de perspectivas positivas às quais se apegar mata. Náufragos, sem ter em quê se segurar, nadam sem parar. Não sabem se um dia encontrarão uma ilha onde se refugiar ou uma embarcação que os salve. Talvez todo sofrimento para se manter vivo seja inútil. Talvez fosse mais proveitoso se entregar à inevitável morte no mar, escapando ao menos da agonia da exaustão corporal. Entregar-se às ondas...
Tendo a morte como certa, de que vale uma vida de sofrimento?
Não há feridas à mostra, ossos quebrados, hematomas, sangue, febre. Nada diagnosticável. Nada compreensível para quem não sente. A dor segue incólume; o doente, esquecido, vagando sozinho, abandonado, invisível, incompreensível. Não se vêem mortos enterrados, sob a terra, sob as águas, sob as máscaras. Nada se sente por eles. Nada pode ser feito para ajudá-los.
Entretanto, o quadro é ainda mais tétrico. Não apenas falta um socorro imediato, mas também a previsão de alívio. Submetido à uma dolorosa cirurgia, o paciente ao menos conforta-se esperando que, ao término do procedimento, sua dor esmoreça, as feridas cicatrizem, os tecidos se recompanham, esqueçam o trauma a que foram submetidos e voltem a funcionar. Mas não com a alma. Nunca se sabe quando uma alma parará de doer. Talvez nunca. E essa incerteza corrói mais ainda. A falta de perspectivas positivas às quais se apegar mata. Náufragos, sem ter em quê se segurar, nadam sem parar. Não sabem se um dia encontrarão uma ilha onde se refugiar ou uma embarcação que os salve. Talvez todo sofrimento para se manter vivo seja inútil. Talvez fosse mais proveitoso se entregar à inevitável morte no mar, escapando ao menos da agonia da exaustão corporal. Entregar-se às ondas...
Tendo a morte como certa, de que vale uma vida de sofrimento?
Não há feridas à mostra, ossos quebrados, hematomas, sangue, febre. Nada diagnosticável. Nada compreensível para quem não sente. A dor segue incólume; o doente, esquecido, vagando sozinho, abandonado, invisível, incompreensível. Não se vêem mortos enterrados, sob a terra, sob as águas, sob as máscaras. Nada se sente por eles. Nada pode ser feito para ajudá-los.
Mas o sofrimento da alma é inevitável. Pois aquilo que faz a alma sofrer está por aí, em todo lugar, contaminando o ar, a água e os olhares. Inspira-se, bebe-se, sente-se o sofrimento por toda a parte, carecendo apenas da sensibilidade para ser por ele afetado. E quem sofre, faz sofrer! Machuca a todos. Quase num grito desesperado por socorro.. Um grito jamais capaz de transpassar o deserto ao redor. Um grito silencioso. Um grito que já nasce morto na garganta, afogado pelas águas desse mar.
Se eu amo? Claro que sim! Em especial as pobres criaturas sofredoras. Queria tanto poder fazer algo para lhes subtrair o sofrimento, mas toda tentativa redundou em piora. Perdoai meu fracasso contigo. Sinto-me como o cirurgião que, prometendo-te extrair o tumor, percebe-se incapaz e abandona a operação, deixando-te ainda com a doença e a barriga aberta a sangrar. Jamais devias ter confiado em mim, tão inexperiente doutor, cujas entranhas também dóem, sem que seja capaz de as apaziguar.
O amor parece só poder vir do sofrimento, pois só quem sofre é capaz de entender o que se passa noutra alma sofredora (ou só pode vir da felicidade?). Mas entender, compreender, querer, não são bastantes para ajudar. Jamais consegui te ajudar. Aliás, talvez tenha conseguido, em breves momentos. Espero que pelo menos um dia de tua vida tenha sido melhor graças a minha presença nele. Muitos meus assim o foram graças a ti, muito embora outros tenham sido bem piores pelo mesmo motivo... desculpe! Eu falo demais, e você não merece tais cobranças. Erramos os dois. Talvez eu mais. Nunca saberemos de verdade. Mas sempre tentei ter boas intenções.
E continuo as tendo. Por isso busco evitar o máximo possível mexer naquilo novamente. Descobri-me um péssimo cirurgião de almas. Não tenho estômago para mexer nas entranhas de um espírito. Muito mais fácil abrir o corpo, cortar, remendar e fechar. A cicatrização da alma, por sua vez, é muito mais lenta e complicada, e o mínimo erro pode deixá-la sangrando eternamente. Sem falar que não há instrumentos de proteção. Não há luvas para os cirurgiões de almas e é muito fácil se contaminar por aquilo que se deseja tratar. Também é fácil se contaminar pelos sonhos, pelos sorrisos, pelo carinho, que de uma hora para outra podem desaparecer. E você se percebe sozinho. E vê que, na verdade, não operava a alma de outrem. É você quem está ali, deitado sozinho no centro cirúrgico, ò cirurgião desalmado, é você quem precisa de reparos. Mas o quarto continua sozinho e você não tem a quem gritar. Ou talvez sejam só ilusões... que bobagem, achar-me um cirurgião, achar-me deitado numa cama, quando sou apenas um simples e delirante náufrago, sozinho, se afogando no mar.
terça-feira, 4 de junho de 2013
Batman
"Sabe por que eles o atacaram, não sabe?
Estavam com medo de você."
"Com medo de mim?"
"Todas as criaturas tem medo."
"Até mesmo as assustadoras?"
"Especialmente elas."
(Batman Beguins - 2005)
Estavam com medo de você."
"Com medo de mim?"
"Todas as criaturas tem medo."
"Até mesmo as assustadoras?"
"Especialmente elas."
(Batman Beguins - 2005)
domingo, 5 de maio de 2013
O abismo e o amor
Estou com medo. Meu coração está disparado. Sinto frio na barriga. Não consigo dormir.
Estou morrendo de medo. Não consigo parar de pensar. Não consigo pensar direito. Não sei se tenho fome, ou se é outro o vazio que sinto dentro de mim.
Mas estou com medo. Medo do que sinto estar crescendo dentro de mim. É amor. Puro e verdadeiro. Enorme e arrebatador. Não dá espaço para mais nada. Paro para uma nova olhada. Sim, é amor. Um amor muito grande e inesperado. Um amor que eu jamais poderia esperar.
Afinal, quando esse amor surgiu? Desde quando está ali apertando meu peito, tirando meu fôlego, tomando minha mente? De onde vem esse amor, que chega furtivo, que invade sutilmente, que toma de uma vez só todo o meu domínio?
Mas é amor. Grandioso e belo amor. Amor por você! Não consigo pensar em outra coisa. Se ligo a TV, qualquer programa só faz lembrar você. Se penso nas montanhas do Himalaia, só fico imaginando como seria estarmos os dois lá em cima. Apreciarmos a vista, dividir o momento, trocar olhares e suspiros.
Sem dúvida é amor. Terrível e cruel. Não me perguntastes se eras bem vindo. Apenas chegastes e te alojastes em meu peito. Estúpido amor!
E quanto medo eu tenho. Medo de que não me queiras. Medo de sofrer. Medo de nem tentar, por medo.
Encaro esse amor de frente e congelo. É grande, é arriscado, é perigoso. É belo, é divino, é adorável. É olhar o pôr-do-Sol no horizonte debruçando na beirada de um abismo. É tremer com o medo de cair lá de cima, mas ainda assim querer debruçar-se mais e mais para ver melhor.
E como eu quero me debruçar sobre você. Quero me jogar nesse amor. Mesmo com medo, mesmo com todo o frio na barriga. Mesmo sabendo que a queda, do alto de um amor desses, é certamente fatal. Medo de que os sinais que tu me dá sejam pedras soltas, caindo no nada após perder o apoio onde pensava encontrá-lo.
Mas é tão bela a cena que me seduz. Impede-me de voltar atrás. De desistir e virar as costas. Não, não mais consigo virar as costas à tamanha beleza.
Feliz era quando não sabia o que era amar você! Fosse me dado um único desejo... não saberia o que fazer. Fossem dois, desejaria voltar no tempo em um instante e jamais haver lhe conhecido; e desejaria que esse instante durasse toda a eternidade, para que nunca fosse embora o meu sentimento.
A vida, afinal, parece ter uma fria tristeza embutida nela. E que é responsável por toda a beleza. Observar um campo de flores depois da chuva, refletindo os raios de Sol em suas cores através das infinitas gotas a lhe cobrir... a chuva já veio, lutou, despejou sua ira, castigou com ventos, tentou afogar. Fez muitas flores se curvarem, outras desviarem de seu caminho, algumas feridas, pétalas rasgadas, caules quebrados, raízes expostas. Mas ficaram de pé novamente. A chuva umedeceu o solo. Deu-lhes o tão desejado alimento. E depois foi-se embora. Deixou sua marca, cobrindo sutilmente a epiderme, deixando ínfimas gotículas, finas como a seda, repousando delicadamente. E veio o Sol, aquecendo, jogando um turbilhão de luzes sobre as intrépidas flores. Agora aquecidas, radiantes, energizadas, aproveitando água e luz para florescer mais ainda. Para retribuir a dádiva solar, devolvendo um arco-íris de cores, de aromas. Inundando a paisagem com uma beleza indescritível. Indescritível e efêmera. Assim como a noite veio e cessou, assim como o dia dá lugar à noite, também essas flores brilharão apenas por um tempo. Logo acabarão. Logo restarão apenas marcas. E as marcas também irão. E só sobrará a lembrança, de quem, por um instante, pode apreciar esse espetáculo. Em um breve sopro de sua vida, esbarrou com o mágico, e aquele instante se petrificou. Virou um sentimento sublime. Tornou-se lembrança. Ficaram as marcas daquele momento. Que também passarão. E a vida acabará. E tudo acabará. E tudo continuará.
Não tem como fugir da tristeza da vida. A tristeza está imiscuída em tudo que é belo. E não faz sentido a vida sem a beleza.
Assim também é o meu amor por você. Belo. Triste. Passageiro, embora ainda seja a coisa mais sólida que pode haver. Pequeno, perto do tamanho do sempre, mas enorme perto de tanto quanto posso ter. Imenso. Gigantesco. Brilhante. Maravilhoso amor. Um amor tão grande, que só consigo ver uma coisa que seja maior que ele mesmo. E isso é você. Pois, por maior que seja o amor que sinto, ele é apenas um reflexo do que emana de você!
Estou morrendo de medo. Não consigo parar de pensar. Não consigo pensar direito. Não sei se tenho fome, ou se é outro o vazio que sinto dentro de mim.
Mas estou com medo. Medo do que sinto estar crescendo dentro de mim. É amor. Puro e verdadeiro. Enorme e arrebatador. Não dá espaço para mais nada. Paro para uma nova olhada. Sim, é amor. Um amor muito grande e inesperado. Um amor que eu jamais poderia esperar.
Afinal, quando esse amor surgiu? Desde quando está ali apertando meu peito, tirando meu fôlego, tomando minha mente? De onde vem esse amor, que chega furtivo, que invade sutilmente, que toma de uma vez só todo o meu domínio?
Mas é amor. Grandioso e belo amor. Amor por você! Não consigo pensar em outra coisa. Se ligo a TV, qualquer programa só faz lembrar você. Se penso nas montanhas do Himalaia, só fico imaginando como seria estarmos os dois lá em cima. Apreciarmos a vista, dividir o momento, trocar olhares e suspiros.
Sem dúvida é amor. Terrível e cruel. Não me perguntastes se eras bem vindo. Apenas chegastes e te alojastes em meu peito. Estúpido amor!
E quanto medo eu tenho. Medo de que não me queiras. Medo de sofrer. Medo de nem tentar, por medo.
Encaro esse amor de frente e congelo. É grande, é arriscado, é perigoso. É belo, é divino, é adorável. É olhar o pôr-do-Sol no horizonte debruçando na beirada de um abismo. É tremer com o medo de cair lá de cima, mas ainda assim querer debruçar-se mais e mais para ver melhor.
E como eu quero me debruçar sobre você. Quero me jogar nesse amor. Mesmo com medo, mesmo com todo o frio na barriga. Mesmo sabendo que a queda, do alto de um amor desses, é certamente fatal. Medo de que os sinais que tu me dá sejam pedras soltas, caindo no nada após perder o apoio onde pensava encontrá-lo.
Mas é tão bela a cena que me seduz. Impede-me de voltar atrás. De desistir e virar as costas. Não, não mais consigo virar as costas à tamanha beleza.
Feliz era quando não sabia o que era amar você! Fosse me dado um único desejo... não saberia o que fazer. Fossem dois, desejaria voltar no tempo em um instante e jamais haver lhe conhecido; e desejaria que esse instante durasse toda a eternidade, para que nunca fosse embora o meu sentimento.
A vida, afinal, parece ter uma fria tristeza embutida nela. E que é responsável por toda a beleza. Observar um campo de flores depois da chuva, refletindo os raios de Sol em suas cores através das infinitas gotas a lhe cobrir... a chuva já veio, lutou, despejou sua ira, castigou com ventos, tentou afogar. Fez muitas flores se curvarem, outras desviarem de seu caminho, algumas feridas, pétalas rasgadas, caules quebrados, raízes expostas. Mas ficaram de pé novamente. A chuva umedeceu o solo. Deu-lhes o tão desejado alimento. E depois foi-se embora. Deixou sua marca, cobrindo sutilmente a epiderme, deixando ínfimas gotículas, finas como a seda, repousando delicadamente. E veio o Sol, aquecendo, jogando um turbilhão de luzes sobre as intrépidas flores. Agora aquecidas, radiantes, energizadas, aproveitando água e luz para florescer mais ainda. Para retribuir a dádiva solar, devolvendo um arco-íris de cores, de aromas. Inundando a paisagem com uma beleza indescritível. Indescritível e efêmera. Assim como a noite veio e cessou, assim como o dia dá lugar à noite, também essas flores brilharão apenas por um tempo. Logo acabarão. Logo restarão apenas marcas. E as marcas também irão. E só sobrará a lembrança, de quem, por um instante, pode apreciar esse espetáculo. Em um breve sopro de sua vida, esbarrou com o mágico, e aquele instante se petrificou. Virou um sentimento sublime. Tornou-se lembrança. Ficaram as marcas daquele momento. Que também passarão. E a vida acabará. E tudo acabará. E tudo continuará.
Não tem como fugir da tristeza da vida. A tristeza está imiscuída em tudo que é belo. E não faz sentido a vida sem a beleza.
Assim também é o meu amor por você. Belo. Triste. Passageiro, embora ainda seja a coisa mais sólida que pode haver. Pequeno, perto do tamanho do sempre, mas enorme perto de tanto quanto posso ter. Imenso. Gigantesco. Brilhante. Maravilhoso amor. Um amor tão grande, que só consigo ver uma coisa que seja maior que ele mesmo. E isso é você. Pois, por maior que seja o amor que sinto, ele é apenas um reflexo do que emana de você!
quinta-feira, 2 de maio de 2013
Chain of thought
Lindo amor
já não sei quem sou
sentado à mesa
deitado na cama
refletir...
Rio de Janeiro,
tão distante, misterioso, indecifrável
um sonho nosso, sonho meu.
Cadê você?
Você viveu, você cresceu
Você morreu no sonho que era meu.
A bondade não se sustentou...
Choro sem parar, por dentro, sem que ninguém veja.
Penso, vivo, rio, me divirto.
Tantos mistérios nessa vida. Sensações a descobrir.
Uma boa angústia, que aperta o peito, mas é bonita e sublime.
Lá ao longe os prédios, tão próximos, dentro de mim.
Dentro da vida. Uma vida inteira. Fé.
Desculpe por tudo.
Só o que vale é a felicidade e o amor que nunca acabará.
O mistério continua para ser sentindo
Embora seja desfeito pela realidade.
Ainda espero te ver. E os seus olhos azuis.
Que escondem muito...
Desculpas. Peço a mim mesmo.
Por ter acreditado apenas em mentiras.
Que eu mesmo contei....
Desculpe-me, por não ter sido feliz o bastante
Para evitar que você fosse tão triste.
Por não ter sido forte o bastante
Para ajudá-la com sua fraqueza.
Por não ter sido real o bastante
Para realizar os seus sonhos...
Alcance a felicidade,
não se esqueça do mistério.
Não se esqueça do infinito.
Não deixe que a vista se canse para o óbvio.
E acredite nas ilusões mais vívidas.
O que importa é o misterioso, o despertar.
É a busca, muito mais que a conquista.
É sentar-se à mesa.
Deitar-se na cama.
Refletir.
Sonhar.
Imaginar.
...
Não me entenda errado... eu apenas te amo.
já não sei quem sou
sentado à mesa
deitado na cama
refletir...
Rio de Janeiro,
tão distante, misterioso, indecifrável
um sonho nosso, sonho meu.
Cadê você?
Você viveu, você cresceu
Você morreu no sonho que era meu.
A bondade não se sustentou...
Choro sem parar, por dentro, sem que ninguém veja.
Penso, vivo, rio, me divirto.
Tantos mistérios nessa vida. Sensações a descobrir.
Uma boa angústia, que aperta o peito, mas é bonita e sublime.
Lá ao longe os prédios, tão próximos, dentro de mim.
Dentro da vida. Uma vida inteira. Fé.
Desculpe por tudo.
Só o que vale é a felicidade e o amor que nunca acabará.
O mistério continua para ser sentindo
Embora seja desfeito pela realidade.
Ainda espero te ver. E os seus olhos azuis.
Que escondem muito...
Desculpas. Peço a mim mesmo.
Por ter acreditado apenas em mentiras.
Que eu mesmo contei....
Desculpe-me, por não ter sido feliz o bastante
Para evitar que você fosse tão triste.
Por não ter sido forte o bastante
Para ajudá-la com sua fraqueza.
Por não ter sido real o bastante
Para realizar os seus sonhos...
Alcance a felicidade,
não se esqueça do mistério.
Não se esqueça do infinito.
Não deixe que a vista se canse para o óbvio.
E acredite nas ilusões mais vívidas.
O que importa é o misterioso, o despertar.
É a busca, muito mais que a conquista.
É sentar-se à mesa.
Deitar-se na cama.
Refletir.
Sonhar.
Imaginar.
...
Não me entenda errado... eu apenas te amo.
quarta-feira, 17 de abril de 2013
quinta-feira, 11 de abril de 2013
Solidão
Há uma parte de mim que quer uma parte sua.
Tem outra parte em mim que repulsa uma parte de você.
Mas uma parte sem a outra, não consigo ser,
você também não pode desfazer-se em duas.
E no somatório geral, não sei qual das versões ganha
Se a que deseja ou repudia;
a que pulsa ou a que repulsa;
a que quer ou a que desquer;
a que ama ou a que odeia.
Tudo tem dois lados
O nada e o infinito, tão próximos.
O infinito nada tem que o limite,
o nada, é a ausência que não tem fim.
Os opostos são o mais próximo que algo pode chegar
Querendo fugir do Brasil,
virei as costas e fui pro mar.
Em direção ao Japão, sem pensar
Naveguei, naveguei
Só pra descobrir que voltei ao lugar de onde parti.
De tanto me afundar no amor, cheguei a odiar
Tanto naveguei nesse ódio, descobri que era feito de amor.
Amor que estragou, ódio que enterneceu
Paciência que acabou, saudade que me venceu.
Mas no fim das contas não faz diferença,
a mais doce poesia ou o mais vociferante palavrão
de nada tem valor sem que haja um ouvinte.
E assim, meu amor são palavras ao vento,
que ecoam, perdidas, vazias,
sem que você me as escute.
Tem outra parte em mim que repulsa uma parte de você.
Mas uma parte sem a outra, não consigo ser,
você também não pode desfazer-se em duas.
E no somatório geral, não sei qual das versões ganha
Se a que deseja ou repudia;
a que pulsa ou a que repulsa;
a que quer ou a que desquer;
a que ama ou a que odeia.
Tudo tem dois lados
O nada e o infinito, tão próximos.
O infinito nada tem que o limite,
o nada, é a ausência que não tem fim.
Os opostos são o mais próximo que algo pode chegar
Querendo fugir do Brasil,
virei as costas e fui pro mar.
Em direção ao Japão, sem pensar
Naveguei, naveguei
Só pra descobrir que voltei ao lugar de onde parti.
De tanto me afundar no amor, cheguei a odiar
Tanto naveguei nesse ódio, descobri que era feito de amor.
Amor que estragou, ódio que enterneceu
Paciência que acabou, saudade que me venceu.
Mas no fim das contas não faz diferença,
a mais doce poesia ou o mais vociferante palavrão
de nada tem valor sem que haja um ouvinte.
E assim, meu amor são palavras ao vento,
que ecoam, perdidas, vazias,
sem que você me as escute.
domingo, 7 de abril de 2013
Memória
O Sol nasce e se põe, seguido da Lua. Seus ciclos se seguem indefinidamente. Dia após dia. Os rios correm apressadamente para o mar ou desembocam, suaves, num lago, onde descansam e preguiçosamente se arrastam em direção a outro rio, outra correria. Os vegetais brilham esplendidamente sob a luz do Sol, ambiciosos por crescer, florescer, frutificar, fazer parte da alegria da vida, do milagre à volta. Em torno deles, perambulam pássaros. Doces, amáveis, divertidos. Cantos suaves, acompanhando a harmonia do vento no farfalhar das folhas, nas dobras gigantes das montanhas distantes. O mesmo vento que sussurra aos ouvidos. Que beija levemente a face. Que acaricia por dentre os botões da minha camisa entreaberta. Fecho os olhos. Entrego-me à sedução da natureza. Perco-me em doces desejos, leves afagos, românticos beijos, memórias veladas, tristezas passadas... o vento, leve como a carícia de suas mãos; o calor de seu corpo vindo do Sol; a voz que me dizia suavemente "cheguei"; a alegria de lhe ter, diluída na certeza torpe "como vai doer quando você não me amar". E afagava seus cabelos. Deslizava pela sua pele. Afundava no seu sorriso. Como podia saber que não éramos feitos um para o outro se, ao mesmo tempo, era tão bom estarmos juntos? Talvez como o brilho do Sol, que aquece a todos, mas não pertence a nenhum. E a cada dia o Sol nasce novamente, e se põe novamente. Aquece novos corações, abandona sozinhos no escuro. E segue. Inatingível, inexorável, indiferente. Simplesmente segue. Tudo mais segue. A vida segue. O rio correu, está longe, mas seus companheiros seguem atrás dele apressados, impacientes. Ocasionalmente se detêm num turbilhão, giram e giram, como os pensamentos que giram, que se detêm por um instante. E o que significa um instante na vida de um rio? Quanto tempo pode o pensamento girar até seguir novamente seu curso? Ou até o rio secar? Os pensamentos giram, sem sair do lugar. Giram pelas memórias. Sofridas memórias. Confusas memórias. Minhas memórias. Giram sem encontrar seu lugar. Não têm mais lugar. A vida seguiu, o Sol se pôs, a rosa floriu, e seu mundo acabou. Agora gira, sem saber onde parar. São apenas memórias, sem mundo, sem cara, sem gente, sem cheiro... memórias sem lugar. O Sol que agora brilha, não é o mesmo que brilhava lá. A Lua esqueceu-se de ti. Apenas você segue sem sair do lugar. Memórias, minhas memórias. Vocês não tem lugar onde repousar e por isso infestam minha mente. Não me deixam esquecer que um dia tudo foi diferente, que o mesmo Sol que agora brilha, já não brilha como em outro lugar. Que se o canto dos pássaros me enchia de alegria, agora apenas tristeza me trazem, porque fazem, de você, eu me lembrar. E saber que nosso amor se pôs e nasceu noutro lugar. Distante. Intocável. Que eu só posso, de longe, apreciar.
terça-feira, 12 de março de 2013
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