sábado, 15 de junho de 2013

Nota literária

A língua é algo extraordinário. Serve a diversos propósitos. Contudo, podemos fazer apenas um texto de cada vez, de modo que escolhas devem ser feitas. E escolhas implicam renúncias.

Assim, por vezes escolho uma forma de expressão mais técnica e rebuscada. Contando com um vocabulário mais amplo, consigo escolher palavras mais precisas para dar nome às minhas idéias. O texto fica mais exato, claro (com menor margem para ambiguidades), etc. Contudo, perde-se também com isso. Primeiramente, o que se ganha em precisão, perde-se em facilidade. O texto se distancia de nossa experiência cotidiana. Para compreender as diversas palavras de um vocabulário amplo, precisa o leitor dispor também de um grande cabedal vernacular; precisa estar familiarizado com estruturas linguísticas menos comuns, conjunções pouco utilizadas, formas complexas. Depois, torna-se o texto também mais cansativo. Requer maior atenção, mais desgaste psíquico acompanhando a linha de raciocínio, mais memória para ligar as idéias distintas. E, por fim, o texto torna-se demasiado impessoal, frio, formal.

Enganam-se os incautos, que esperam obter maior expressividade com palavriado rebuscado. Ao contrário, é a simplicidade que toca os corações. As paixões são simples, o intelecto é que é complexo. Existe algo mais singelo que o que sentem os apaixonados? Felizes só de estarem ali, de mãos dadas, olhos nos olhos. Existe algo mais tocante que a felicidade da criança encotrando seu herói? São coisas simples, fáceis de entender. Diferem do intelecto, dos nomes de neutrotransmissores, das tramas de conexões sinápticas, das denominações neuroanatômicas, da terminologia psicológica. A expressão acontece onde menos há palavras, e talvez por isso tanto se diga quando alguma emoção é forte demais que alguém "perdeu as palavras". O pôr-do-Sol, o nascimento de um filho, uma foto antiga. Que serventia tem as palavras? Um olhar, um suspiro. A lágrima derramada; outra, contida. Saudade. E como é indescritível a saudade. Aquilo que se pode tocar, ou somente observar à distância, ou apenas imaginar.

As palavras passam vergonha quando se as tenta utilizar nessa situação. Não dão conta do recado, diante dessa plenitude. Tem-se aí, então, o valor dos artistas das palavras. Sabem escolher, dentre as palavras, aquelas que tem menos palavras e que dizem mais. Dizem o que não pode ser dito. Falam daquilo que sentimos, não do que vimos. Não falam das verdades. Falam do mar, das flores, de pássaros, do pôr-do-Sol ou do brilho da Lua, mas dizem muito mais. Falam das belas estrelas, purpurinas no negro vazio, cintilando, mas não se ouve a distância fria que delas nos separa, ou a aspereza de seu solo longínquo. Não. Ouve-se o brilho infantil que temos aqui dentro, perdido no vazio eterno que se construiu em volta. Não se fala de estrelas ao se falar de estrelas. Fala-se de gente e de saudade, de amores e decepções, de tristezas e  esperanças. Fala-se de como olhar o céu é apenas apreciar um espelho, enorme e belo, daquilo que a gente carrega no íntimo. Vemo-nos nas banalidades do dia-a-dia, porque nossos desejos são banais; nossas vontades são simples; nossos amores, infantis.

E não se pode falar tudo de uma vez. Cada palavra só pode vir uma a uma. E aí cai a grande decisão a ser feita quando se põe alguém a escrever. Descrever o mundo ou se expressar nele? Dizer o que as palavras dizem, ou o que a alma grita? Fazer-se entender, ou deixar livres os sons para o universo formar as palavras que queira ouvir?

Não existe decisão acertada. Cada uma serve a um propósito. Pode-se, inclusive, temperar a exatidão com um pouco de humanidade, ou dar algum rumo ao total desconcerto das paixões. Deve-se, aí sim, dosar-se o tanto que se mistura de cada um na fórmula, para não deixá-la demasiado aguada ou endurecida, dependendo do que se queira.

Esses cuidados sempre tentei ter. Nunca quis ser frio com seu coração, mas também não queria perder a razão em expressividade vazia. Fazia cada um de uma vez. Tratava como ciência, a ciência. E amolecia para falar de almas.

Não me entendestes, contudo, tu. Supuseste em mim encontrar a mediocridade que acostumada estava a ver em todos, talvez até em ti mesma. Não sou "a cold hearted scientist". Nunca estive refratário aos seus sentimentos. Não tanto quanto estiveste aos meus. Mas apenas uma palavra de cada vez podia ter te oferecido. E ouvindo os primeiros cantos da madrugada, pensaste conhecer todo o discurso de cor. Não ouviste o que eu tinha para dizer. Acusaste-me de não ter te entendido, quando nem qual compreensão eu tivera chegaste a saber.

Nenhum comentário:

Postar um comentário