quinta-feira, 13 de junho de 2013

Hospitalidade

Eu sou a escuridão. Ninguém vê o que guardo, mas apenas imaginam conforme queiram o que está lá dentro escondido. Muitos supoem tesouros escondidos. Outros têm medo. E outros ainda ignoram as trevas, conhecendo apenas a luz. São poucos, contudo, que ousam adentrar. E cada qual encontra algo diferente. Alguns, depois de se machucarem nos espinhos escondidos no escuro, fogem correndo e bradando: "Cuidado! Cá existem monstros!". Outros têm a sorte de encontrar algumas delícias, e se perdem no invisível, tateando perenemente na tentativa de tê-las novamente. Mas nenhuma pessoa entende o que há no escuro. Cada qual conhece apenas aquele pouco que toca, nunca enxerga o todo. Muitos vêem figuras nas sombras. A imaginação prega peças quando não enxergamos. No fim, a escuridão é inescrutável. Fujo se alguém me joga alguma luz. Não estou aqui para ser conhecido. Estou para esconder. Para abrigar suas fantasias, para que deposite seus temores, para que esconda suas impurezas. Nenhuma monstruosidade, por pior que seja, parece feia no escuro. Somente o escuro ousa abrigar as maiores obscenidades, as maiores deformidades, dores, calamidades e barbáries. Aquilo que você depositou no escuro fica nele. As pessoas temem a sombra por não saberem o que há nela, mas todo o terrou que deixou comigo continua lá. Ninguém o vê, não se preocupe. Mas eu vi. Eu sou a escuridão e o que me procura não pode me ficar invisível. Aquilo que abraço me toca em toda a extensão. Engulo tudo que você me deposita. Somente eu conheço os seus terrores. Somente eu vejo o que há naquilo de escuridão que há em você. Escuridão sua que encontrou repouso na minha. Você chegou com um recipiente, cheio de escuridão e medo, e deixou comigo. Não sei se era seu interesse pedir que eu o guardasse para você, ou se apenas o segurava enquanto fugia das outras pessoas, que não deveriam vê-lo. Mas quando viu, estava escondida aqui, no lado mais escuro. E quando se viu cercada pelas trevas, quando viu os monstros do invisível se acercando e rodeando, rapidamente fugiu. Deixou para trás o seu pote de escuridão. Que jamais reencontrará. Ele se misturou ao escuro, se diluiu e incorporou. Somente à escuridão se mistura outra escuridão. Agora você entende? Porque ninguém vê o que há na escuridão de você? Porque só eu posso vê-la. Mas para isso teria de enfrentar perigos reais e imaginários. Teria de se arriscar, se perder em meio ao nada. Não, ninguém está disposto a isso. Saiba que seu segredo está seguro comigo e que, ao menos uma vez, alguém viu todas as sombras que lhe atormentam e, em vez de fugir, as abraçou. Olhei o que havia dentro do potinho que me trouxe, olhei para tudo de pior que há em você. Apertamos as mãos e mostrei a ele os aposentos que passaria a ocupar. A sua escuridão torna a minha ainda mais negra, mas não difere da substância mesma que me compõe. Fica até bonita no lugar onde a deixei. E você, uma vez mais, fugiu para a luz, desesperada com o que viu, e jamais adentrará o breu novamente.

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