domingo, 18 de agosto de 2013

Antídoto

- Eu sou muito estranha, não é? - Ela me disse. Apenas sorri, um pouco desinteressado na conversa, e mexi a cabeça positivamente. Eu a achava mesmo estranha. Uma pessoa com interesses inusitados. Mas ela, em toda sua timidez, deixava transpassar o medo de que isso fosse visto como um defeito por mim. Medo comum de pessoas inseguras, em especial das apaixonadas.

O que ela não sabe é que eu sou dos mais estranhos também. Mas isso não me impede de julgar a estranheza alheia. É estranho mesmo saber dos hábitos peculiares de cada um. Todos têm os seus. O problema é confessá-los. Por isso apenas sorri e concordei. Ao mesmo tempo confirmei e traí as expectativas dela. Sim, achava-a estranha; não considerava boas suas esquisitices; mas ao mesmo tempo me identificava muito.

Infelizmente, aquilo que temos de mais nosso só faz sentido para nós mesmos. Por isso não pude confessar que eu também sou muito estranho. Porque na verdade não sou. Sou apenas eu, com minhas peculiaridades, assim como ela com as dela. Só é estranho por lidar com estranhos. Pessoas estranhas aos nossos sonhos, às nossas fantasias, aos nossos desejos. Para eles, aquilo que nos dá sentido é um estrangeiro de língua indecifrável, com quem apenas nós próprios temos intimidade.

Fui obrigado a concordar. É estranha, e muito. Mas estranha para mim. Estranha a partir do momento em que expôs suas entranhas. As minhas, não queira ver. São minhas, são quem sou. E para sê-lo, ninguém mais pode ser, saber.

Estava, assim, perpetuamente absolvida e condenada por sua estranheza. Afinal somos todos estranhos, tentando nos entender entre tantos estrangeiros desentendidos.

Talvez por isso seja tão fácil sentir-se em casa entre estranhos. Sinto-me confortável andando sozinho pelas ruas, sem nenhum outro eu para contaminar o meu. Estou ali, sozinho, e nesse momento posso ser.

Cada qual segue o seu destino, seu ser mais íntimo, da forma mais verdadeira, quando estão sozinhos. É a moça que chora toda noite pela saudade do amor que não volta; é o homem que faz planos com o novo emprego que conseguira; o professor que reflete sobre as idéias que pretende passar aos alunos; é o viajante, que abre as janelas do quarto de hotel em Istambul e fica a observar o luar refletido sobre o Mar Cáspio. E talvez sejam todos esses em um só.

O gato de Schröedinger existe na mente humana. Podemos ser tudo, mas o olhar dos outros nos obriga a ser algo. As opções se apagam em nome de uma definição. E nem sempre o eu que sobra, que lhe cobram assumí-lo, é o gato mais fortuito. Algumas vezes está morto.

Por isso não posso confessar a ela quem sou. No máximo, dir-lhe-ia que conservasse para si também quem ela é. Preserve-se de ser dobrada, definida e limitada. Seja um sonho lindo e solto, seja uma aventura pelo Mediterrâneo, uma estrela no espaço, um Deus no Olimpo. Seja livre e radiante. Mas acima de tudo, não se deixe contaminar, apagar. Não deixe que eu veja. Seja.

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