terça-feira, 8 de outubro de 2013

O vermelho, o cinza e o negro

- Sangue perdido numa cabine de banheiro. Já não importa, somos jovens. Caindo o tempo todo. Barreira de vidro.

- Observo sua foto numa nuvem qualquer. O carro atravessa rápido pela avenida num dia nublado qualquer. O futuro é imenso. Mas não importa.

- Leve-me com você. Não pode, eu sei. Mas continuamos indo. Caminhos opostos. Minha garganta canta, mas não são as notas que eu gostaria que soassem.

- E vamos indo. Somos jovens. Sempre jovens. E sozinhos. Nada importa. O sangue não incomoda.

- A cabine apertada parece mais confortante agora. O sangue escorre. Cai no chão. Chão sujo. O cheiro da fumaça de cigarro invade o banheiro, junto com o som alto da música. É uma boate. E eu aqui sozinha.

- Sozinhos. O mundo todo é vazio. O céu é um monte de nada infinito. E tão imutável. As nuvens lá no alto continuam as mesmas, afastando-se muito lentamente, enquanto irrompemos em alta velocidade pela rodovia. Tudo parece tão distante, as estrelas lá no céu, as pessoas ao meu lado. Eles cantam, mas não ouço.

- A mente ainda está rodando um pouco. As coisas não se acertaram. Nunca pensamos muito bem no que fazemos quando tão jovens. Não existem consequências. Tudo pode terminar e tudo começar. Envelhecendo as coisas ficam mais difíceis. Não temos para começar tudo de novo sempre. E quando foi que envelheci, afinal?

- A vida é única. Bela e terrível. Quantas outras poderia ter sido? Só consigo imaginar agora, olhando para o céu estrelado à noite. E se tivesse virado em outra esquina? E se tivesse deixado aquela carta de lado? Como é cruel ter que escolher só uma entre tantas...

- O cinza é muito pior que o vermelho. Descobri isso. Cinza por toda a parte. Quem sabe me corto, só para ver um pouco do vermelho...

- Onde estará você nesses dias? O que teria sido de nós? Éramos tão próximos. Mas também éramos tão jovens. Eu queria ter tudo e ser tudo para você. Você sempre tão realista e eu só conseguia sonhar...

- Ando pelas ruas, vou ao trabalho, cumprimento as pessoas, fumo um cigarro e prometo novamente parar de fumar quando olho para a sua foto. Saio para almoçar, almoço sem bebidas. Compro alguma coisa na volta para o trabalho, como se essa rebeldia realmente quebrasse algo da minha rotina eterna. Dia após dia. Nem sinto falta dos sonhos. Nada aqui me lembra o que era sonhar.

- Em uma estrela distante, uma montanha se desfaz. Cirurgias, implantes, filmes, casas, mansões, carros luxuosos. Vou ao teatro. Mas é tão forte o vazio do universo que me invade quando olho o céu. Tão distante, tão indiferente, tão intocável. Uma estrela não dá sinal, a não ser por um quase invisível ponto brilhante no céu. Preencho todo o vazio com a minha própria imaginação. Não sei nada de real. Não sei nada de você.

- Saindo de uma festa. Tinha bebida. Às vezes me sinto de volta àquela cabine de banheiro. O sangue escorrendo. Misto de felicidade e medo. Mas não sinto mais o restante. Tudo mudou tanto. Menos o vermelho. Ele ainda tem a mesma cor. A mesma cor do vinho que derrama da mesa, caído da taça quebrada. E do punho.

- Por que você não me atende? Custou descobrir seu número. Também, que cabeça a minha. Já é tarde. Quem sabe outro dia você me retorna. Ou não. Vai saber. Eu só queria dizer que sinto sua falta. Quem sabe a gente não se vê num dia desses?

- Paz. Não é branca, a paz é negra. Em vez do cinza costumeiro, tudo se enche de um preto muito forte. E do silêncio. Escuto um som de telefone, cada vez mais distante, e distante... já não escuto mais.

- Quem sabe... num dia desses...

Nenhum comentário:

Postar um comentário