sábado, 29 de junho de 2013

Hello life

Have I been sleeping for so long?
Are this thoughts just reminders of nightmares?
They are shadows of within.
Suddenly you remember everything you have fought for.
And recover the source of your power,
the bright on your eyes,
the magic of your acts,
the wisdom you should had never let go.
A miracle has been made once.
Why cannot be done twice?
This is who I am, unstoppable.
Sadly for those who couldn't see this.
But no... there is need to worry about them,
Because they do not exist.
They are just a part of shadows and nightmares.
They are to be forgiven and forgotten... and forbidden.
Good bye shadows... hello life.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Insuficiente

E de repente você se lembra de como o mundo é pequeno
De como seus sonhos são possíveis
E que tudo que fizeram para tentar te parar...
foi pouco.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Josefina

Era uma vez uma menina chamada Josefina. Seus cabelos eram loiros encaracolados, o rostinho rechonchudo, um pouquinho empoeirado do movimento da cidade. Vivia em uma cidade antiga, perdida em outra era, que hoje só podemos imaginar. Andava por ruas amareladas, por entre feiras camponesas. Vivia em uma pequena casa e, ainda jovem, trabalhava para um senhor, dono de uma livraria. Josefina perambulava alegremente pelas ruas vendendo livros velhos, de páginas amarelas, que combinavam com aquelas ruas, com aquele tempo antigo, aquele mundo amarelado. O chão das cidades era de terra e tudo ficava um tanto empoeirado com o movimento das pessoas.

Era comum ver outras crianças trabalhando naqueles tempos. Lá está Luís, varrendo a entrada da taverna de seu pai. Cá, Amália carrega um cesto de flores e passa cumprimentando alegremente Josefina. Mais adiante, vemos a barraca de frutas onde Carolina ajuda a mãe. Subitamente, Gregório passa correndo atrás de Martin, sinuosos por entre as pessoas, que se queixam porque os meninos esbarram em tudo conforme passam. Muitas crianças havia na cidade.

A família de Josefina era muito pobre. Faltava bastante coisa para comer em casa. Josefina não conhecia o seu pai e sua mãe não falava sobre ele. Não tinham parentes próximos. As pessoas com quem mais se relacionavam era os próprios moradores locais, com quem Josefina e a mãe se encontravam ao visitar o centro da cidade ou ao ir à igreja.

A cidadezinha de Josefina recebia muitos viajantes que buscavam os produtos vendidos na feira, no centro. Era a estes que a menina tentava vender os livros que trazia na pesada cesta.

Josefina gostava muito de livros. Sempre rondava a livraria da cidade. Para ela, não havia lugar mais grandioso no mundo. Desde muito pequena, gostava de ir lá para olhar. Olhar aquelas prateleiras repletas de livros, todos formando um bloco só, impecavelmente enfileirados. Olhar o movimento das pessoas, folheando os livros, comentando os assuntos. Algumas pessoas chegavam trazendo cópias de papel para o dono da livraria. E Josefina ficava ali, maravilhada. Todo o restante do mundo era tão óbvio: a barraca de frutas; a taverna onde os homens iam beber; as crianças jogando pedras no rio ou correndo atrás dos gatos ou atrás umas das outras. Ali Josefina sentia algo mágico. Algo indecifrável. O que havia de tão interessante dentro daqueles pedaços de papel? Por que alguns eram grandes, outros pequenos, alguns com capas feias, outros muito coloridos? A mãe de Josefina não sabia ler. Não tinham livros em casa. As demais crianças também não sabiam, exceto Quésio, o filho do prefeito. Mas poucas vezes ele brincava com as outras crianças, pois ficava a maior parte do tempo dentro da mansão do prefeito. As crianças o viam brincando com os empregados de seu pai no grande jardim de casa, mas raramente o menino se aproximava da grade, verificava se ninguém estava olhando, pulava o muro e ia brincar com os outros garotos.

Certa vez, Josefina levou um livro escondido da livraria para Quésio ler para ela. O menino falou que não leria, pois detestava livros. Seu pai o obrigava a ter aulas de leitura com o padre, mas ele detestava e fugia das aulas sempre que podia. Josefina ficou triste, pois aquele livro era tão bonito, e ela ficou a imaginar o que haveria ali dentro. Pensava naquilo que era dito na igreja e imaginou se conteria anjos, carneirinhos, pastores. Lembrava-se também das histórias que ouvia de sua mãe, sobre fadas e dragões. Imaginou o rei, distante, sentado em seu trono de ouro, como dizem. Pelo que falam, ele é um tanto gordinho, porque come demais. E como o rei come! Uma vez esteve na cidade um funcionário da corte e disse que era comum comerem um leitão em todo jantar. Josefina ficava com pena dos porquinhos, assim como das vacas e dos frangos. Ali em sua cidade apenas comiam animais quando a cidade estava em festa, pois eram muito caros. Normalmente os animais eram vendidos para os viajantes, e a menina se entristecia ao vê-los, pois sabia que eram levados para serem comidos por homens gulosos. Quem sabe pelo próprio rei! Ela gostava dos animais. Eles lhe faziam companhia quando ela se sentia sozinha, e ela lhes contava as histórias que imaginava nos livros.

Mas chegou o momento em que a menina já era forte o bastante para ajudar a mãe além das tarefas de casa. Um belo dia o dono da livraria apareceu em sua casa e falou:
- Essa menina está sempre zanzando na livraria. Eu tenho uma idéia para ela, se a senhora concordar...

E foi assim que Josefina foi contratada. Durante o dia, ela carregava um cesto com livros e andava pela cidade oferecendo-os aos viajantes. Não pagava muito, mas o dono da livraria deixava Josefina ficar com alguns livros. Algumas vezes ele lhe falava sobre um ou outro, para que ela pudesse impressionar os clientes, mas o homem não tinha muita paciência. Ele não gostava tanto de livros, mas sim de vender livros. Para falar a verdade, se pudesse, Josefina jamais venderia os livros. Ficaria com todos para si.

A menina passou, então, a folhear os livros que levava para casa. Alguns eram só de palavras, outros tinham algumas poucas figuras no meio dos textos, e outros eram praticamente só de desenhos, com poucas palavras embaixo. Josefina folheava e folheava. Inventava histórias sem fim. Imaginava-se escrevendo aqueles livros e, a cada página virada, pensava num acontecimento mais interessante, mais surpreendente a cada esquina.

Nos livros mais coloridos, imaginava histórias alegres, de príncipes e de princesas. Imaginava uma princesa, como si, sozinha, num castelo, acompanhada apenas de sonhos. E imaginava um príncipe, distante. Ele seria belo e bravo. Um guerreiro destemido à procura de uma donzela à salvar. Mas a princesa, pobrezinha, nada podia fazer para chamar a atenção do seu príncipe encantado. Permanecia presa. Seus sonhos viajavam, chegavam até ele, mas o príncipe não os conseguia ouvir. Perseguia dragões, matava gigantes, salvava vilarejos, mas nunca ouvia o choro abafado da princesa, abandonada no alto da torre, sozinha, com seus sonhos e lágrimas. O príncipe buscava aventuras, descobrir novas terras, derrotar inimigos. Não conseguia ver a pobre princeza em meio a tantas emoções. E a princesa permanecia ali. Assistia só de longe seu príncipe encantado, sem poder jamais tocá-lo. Afinal, esse príncipe encantado era mesmo um bocó, só pensava em aventuras bobas e não via que a princezinha estava triste. Por fim ela ficaria ali, conformada. Talvez até feliz por não ter sido encontrada por esse príncipe boboca. Sobre o que conversariam? Ele falaria de matar dragões, e ela de sonhos. Ele sairia para aventuras com seus amigos, iriam caçar animais, matar inimigos, e comemorar bebendo na taverna. Talvez fosse melhor mesmo para a princesa seguir sozinha. Josefina já havia visto os homens que bebem na taverna e não gostava do jeito deles. Ficavam estranhos, vermelhos, falavam coisas feias e tinham um cheiro ruim. A princesa certamente não gostaria do cheio do príncipe bêbado, ia querer que ele ficasse longe. Afinal por que uma princesa precisa ficar esperando por um príncipe para ser salva, não é mesmo? A princesa tinha seus sonhos, sua imaginação, e mesmo trancada naquela torre fria, invisível, sem jamais ser ouvida pelo príncipe encantado, não deixava de ser uma princesa.

Mesmo que ele não gostasse, Josefina levava para Quésio alguns livros e perguntava sobre o significado das palavras. Ou então perguntava que som tinham, perguntava o que estava escrito sob uma certa figura, e assim ia inquirindo o menino. Muitas vezes ele não respondia, noutras se gabava de ter vários livros em casa. Tinha mais livros que a livraria toda, e livros mais bonitos, de capas douradas, com figuras exuberantes, com enfeites de toda sorte. Josefina adorava quando o menino falava sobre as riquezas de sua casa, pois aí ela aproveitava para perguntar mais e mais, e ele, querendo mostrar o quanto sua família é abastada, não poupava detalhes. Contudo, a alegria de Josefina durava pouco e logo o menino se entediava e saía correndo atrás dos outros moleques; ou corria de algum empregado que percebia que ele havia fugido da casa e vinha de sopetão atrás dele.

Voltando para casa, Josefina continuava a folhear, a imaginar, mas agora também aos poucos tentava decifrar o que diziam aquelas palavras. Juntava o som de umas aqui, lembrava o significado de outras ali, e de repente as coisas começavam a fazer sentido. Josefina já conseguia entender o que diziam certas palavras; depois certas frases; depois parágrafos! A menina estava radiante. Em poucos meses trabalhando na livraria ela já conseguia ler várias páginas. E adorava! Os livros eram mesmo fascinantes. Falavam de coisas que ela jamais havia ouvido falar; descreviam lugares lindos; contavam belas histórias; narravam acontecimentos; discutiam questões; falavam de política, de sociedade, do campo, das pessoas, dos animais.

Josefina lia e lia. A princípio sua mãe ficou preocupada, afinal que tanto que essa menina lê? De que vai servir a ela esse monte de leitura, senão para deixar os olhos tortos? Leitura é coisa de gente rica, de quem não precisa se cansar no dia a dia para trazer comida para casa. E, afinal, o que uma criança iria entender daquele monte de livro?

O dono da livraria, porém, acalmou a mãe de Josefina. Aquilo poderia ser bom para os negócios. Imagine só, uma criança jovem e pobre, mas assídua na leitura? Certamente impressionaria seus clientes.

Agora, quando Josefina oferecia os livros, fazia questão de comentá-los. Em pouco tempo, leu inúmeros livros e praticamente não havia uma única obra sobre a qual ela nada pudesse falar.

Um dia ela estava contando para um jovem caixeiro-viajante a história de um livro, quando outro homem, em nobres trajes, se aproximou. Ouvindo a história contada pela menina, o homem exclamou:
- Vejam só, uma pequena amante de livros. Mocinha, a quem queres enganar? É claro que o teu patrão te fizeste decorar este pequeno texto. Onde já se viu, uma camponesa analfabeta crítica literária?

E o homem se pôs a rir, dirigindo-se aos outros homens que o acompanhavam, que fizeram o mesmo.

- Não senhor, eu não sou analfabeta. Aprendi a ler e estou contanto a impressão que tive do livro. - respondeu, humildemente, a menina.

- Mas é claro que és analfabeta. Onde uma menina como tu poderia aprender a ler? E logo percebe-se que tudo que falaste está em desacordo com o livro.

- Meu senhor, eu li esse livro diversas vezes. Tem certeza que não é o senhor que está enganado sobre ele?

Josefina não ouviu resposta. Uma bofetada lhe acertou o rosto. Um dos acompanhantes do homem lhe desferiu o golpe e acrescentou:

- Sua imunda, como pretendes falar assim com o visconde? Queres ir presa? Ou preferes apanhar ainda mais?

Afinal, não seria a última vez que Josefina apanharia...

Josefina encontra-se trancada em uma prisão. Por seu rosto corre sangue. Todo seu corpo dói e ela mal consegue se erguer do chão frio da cela. Vários anos se passaram desde a primeira vez que a menina foi esbofeteada na praça de sua cidade, mas aquele dia jamais saiu de sua mente. Naquele dia a inocência de Josefina começou a morrer. Ela voltou para casa chorando. O dono da livraria, percebendo o movimento estranho, se aproximou às pressas, à tempo de pedir mil desculpas ao visconde pela impetulância de sua pequena funcionária. Garantiu que aquilo jamais se repetiria e despediu a menina, ordenando, ainda, que ela devolvesse todos os livros que havia levado da livraria, com a ameaça de ser acusada de ladra.

A menina chegou em casa, os olhos inundados por lágrimas, que apenas permitiam ver a bela fileira de livros, perfeitamente organizados a um canto. Ela correu em direção a eles e se prostou no chão, ao lado, chorando incessantemente. Seus sonhos seriam levados para longe. E aquele estúpido príncipe continua lá, longe, bebendo e brincando de aventuras, sem perceber que a princeza está triste, amedrontada, precisando de sua ajuda.

Mas a ajuda nunca veio...

Josefina foi aprendendo que não havia príncipe para ser esperado; não havia herói cavalgando por este mundo, lutando contra dragões e salvando pessoas. Havia apenas mercadores. De frutas, de animais, de livros, de sonhos... se preocupavam em vender flores, não cultivá-las; vender livros, sem lê-los; magoar pessoas, sem entendê-las.

E assim, hoje, presa numa cela fria, enfiada em trapos e deitada sobre pedras tortas, embebidas no seu próprio sangue, Josefina não esperava que alguém aparecesse para salvá-la. Estava só. E só ficaria.

CONTINUA...

sábado, 22 de junho de 2013

Rádio velho no espaço

Não precisa fugir para outro planeta. Habitamos mundos diferentes. Que se cruzaram no céu por um instante. E se perderam na imensidão do infinito. No máximo recebo vagas ondas no meu rádio empoeirado e ruidoso. Vindas de um além distante e esquecido. Agora vou desligá-lo. E jogar as pilhas fora.

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Desejos impossíveis, improváveis, indesejáveis

Uma vez quis transmitir a felicidade que sentia, mas não consegui fazer-me entender;
tentei dar o amor que tinha, mas não consegui fazê-lo ser recebido;
tentei mostrar a tristeza que me assolava, mas não fui confortado.

Hoje sinto paz. E o desejo de que também a tenhas. Mas, uma vez mais, só a mim ela serve.
Uma vez me disseste que meus problemas eram problemas meus. Acontece que não só eles, mas minhas alegrias também são apenas alegrias minhas.

Por mais que eu queira, não posso te passar a calma que me toma.
Tudo me impede de ta dar, mas agora não é diferente de antes ou do que sempre foi.
Tudo se formou para dar certeza de que não será de mim que tua paz provirá, mas apenas de ti mesma. O recado que recebi do destino é claro: "afasta-te ou só piorarás as coisas. Sabemos o que fazemos quando abandonamos alguém à própria sorte. Funcionou contigo, então não reclamas e te afastas. Não ouses te aproximar, do contrário serás tu também abandonado, como antes, e usado em prol do nosso objetivo. E lembre-te, se tu conseguiste, não prives os demais de conquistarem suas delícias com os próprios méritos. Esta é única maneira de conquistá-los, aliás."

O máximo que posso fazer, e certamente farei, é não atrapalhar.
Mas temo que nem nisso tu poderás confiar, e nem aí poderás achar algo que esmoreça tuas tantas dores. Dores não pequenas, ainda aumentadas por minha ação. Ação irreversível, cujos danos, por mais que eu queira, não posso reverter. A dor tem vida própria e segue sozinha depois de criada. Mas certamente tem também uma razão de ser.
Afinal, do destino, fiz-me ferramenta, embora para ofício a que não me havia candidatado. E agora, uma vez mais, prossigo. Nada posso fazer, senão torcer. E sei que nem o conforto de acreditar na sinceridade de meus votos tu terás. Nada mesmo posso fazer, nada posso oferecer. É um nada tão pleno, tão absoluto, que nem sequer posso descrevê-lo. Não há impurezas, migalhas ou vestígios insignificantes de alguma utilidade que possa eu ter. Não. Nada disso. Apenas o vazio. Deserto incólume. Nada. Branco. Vazio.

Não queria ter sido usado com esse intuito. Mas, afinal, não cabe a mim decidir sobre o que pensas e sentes. Tudo que eu disser será tomado como mau. Já não tenho controle sobre isso, se alguma vez o tive.
Serás, contra minha vontade, atormentada pela imagem que tens de mim. Com minha colaboração, é certo, mas jamais com minha aquiescência. Mas serás antes atormentada por ti mesma, até que percebas que apenas a ti compete encontrar tua paz. E, acrescentando mais um conselho que não poderá surtir qualquer efeito a menos que chegues a ele sozinha: a falta da paz, sim, demonstra que algo fazes de errado. Não culpes o mundo. Cabe apenas a ti. O mundo pode te dar problemas, mas jamais usurpar o conforto que trazes no coração. Sofrer é um erro teu. Deves tu encontrá-lo. Deves tu, também, chegar a conclusão de que é hora de procurar, de que é hora de mudar. Que há algo de errado, e algo de errado ao alcance de tuas mãos. É possível! Deves tu perdoar os demais, perdoar a ti, e começar a entender. Uma vez mais, não serei eu ou meus conselhos que poderão ajudar no mínimo que seja. Falo antes para mim mesmo, já que o alheio por ti passa inerte, sem deixar qualquer marca, sem afetar, sem mudar, sem fazer-se sentir. És intangível, exceto para a própria matéria que te compõe. Atravessam a ti todos os espíritos, exceto tua própria alma. Pesada alma.

E como não é reconhecimento que desejo, não espero que seja esse texto lido, tanto mais quanto nada há de bem que ele possa fazer. Em vez disso, que ao menos meus pensamentos de amor, anônimos, possam a ti chegar e ajudar com essa batalha. Permanecerei anônimo, incognoscível, talvez odiado, mas já não importa. Desejar o bem é o que me dá paz. Talvez esse texto seja lido. Talvez um sopro divino revele a verdadeira essência do que tento nele expressar. Talvez em meio a tantos erros e mágoas, floresça um acerto e acalento. Talvez eu seja, ao menos, uma preocupação a menos, entre tantas.

Não conto com isso, contudo. Como disse, já me dou por satisfeito por não atrapalhar. Desconheço a verdade, mas alegro-me a pensar que és esperta e vais saber discernir o que é necessário. Quanto a mim, o meu caminho já conheço. Só me resta nele continuar.

sábado, 15 de junho de 2013

Nota literária

A língua é algo extraordinário. Serve a diversos propósitos. Contudo, podemos fazer apenas um texto de cada vez, de modo que escolhas devem ser feitas. E escolhas implicam renúncias.

Assim, por vezes escolho uma forma de expressão mais técnica e rebuscada. Contando com um vocabulário mais amplo, consigo escolher palavras mais precisas para dar nome às minhas idéias. O texto fica mais exato, claro (com menor margem para ambiguidades), etc. Contudo, perde-se também com isso. Primeiramente, o que se ganha em precisão, perde-se em facilidade. O texto se distancia de nossa experiência cotidiana. Para compreender as diversas palavras de um vocabulário amplo, precisa o leitor dispor também de um grande cabedal vernacular; precisa estar familiarizado com estruturas linguísticas menos comuns, conjunções pouco utilizadas, formas complexas. Depois, torna-se o texto também mais cansativo. Requer maior atenção, mais desgaste psíquico acompanhando a linha de raciocínio, mais memória para ligar as idéias distintas. E, por fim, o texto torna-se demasiado impessoal, frio, formal.

Enganam-se os incautos, que esperam obter maior expressividade com palavriado rebuscado. Ao contrário, é a simplicidade que toca os corações. As paixões são simples, o intelecto é que é complexo. Existe algo mais singelo que o que sentem os apaixonados? Felizes só de estarem ali, de mãos dadas, olhos nos olhos. Existe algo mais tocante que a felicidade da criança encotrando seu herói? São coisas simples, fáceis de entender. Diferem do intelecto, dos nomes de neutrotransmissores, das tramas de conexões sinápticas, das denominações neuroanatômicas, da terminologia psicológica. A expressão acontece onde menos há palavras, e talvez por isso tanto se diga quando alguma emoção é forte demais que alguém "perdeu as palavras". O pôr-do-Sol, o nascimento de um filho, uma foto antiga. Que serventia tem as palavras? Um olhar, um suspiro. A lágrima derramada; outra, contida. Saudade. E como é indescritível a saudade. Aquilo que se pode tocar, ou somente observar à distância, ou apenas imaginar.

As palavras passam vergonha quando se as tenta utilizar nessa situação. Não dão conta do recado, diante dessa plenitude. Tem-se aí, então, o valor dos artistas das palavras. Sabem escolher, dentre as palavras, aquelas que tem menos palavras e que dizem mais. Dizem o que não pode ser dito. Falam daquilo que sentimos, não do que vimos. Não falam das verdades. Falam do mar, das flores, de pássaros, do pôr-do-Sol ou do brilho da Lua, mas dizem muito mais. Falam das belas estrelas, purpurinas no negro vazio, cintilando, mas não se ouve a distância fria que delas nos separa, ou a aspereza de seu solo longínquo. Não. Ouve-se o brilho infantil que temos aqui dentro, perdido no vazio eterno que se construiu em volta. Não se fala de estrelas ao se falar de estrelas. Fala-se de gente e de saudade, de amores e decepções, de tristezas e  esperanças. Fala-se de como olhar o céu é apenas apreciar um espelho, enorme e belo, daquilo que a gente carrega no íntimo. Vemo-nos nas banalidades do dia-a-dia, porque nossos desejos são banais; nossas vontades são simples; nossos amores, infantis.

E não se pode falar tudo de uma vez. Cada palavra só pode vir uma a uma. E aí cai a grande decisão a ser feita quando se põe alguém a escrever. Descrever o mundo ou se expressar nele? Dizer o que as palavras dizem, ou o que a alma grita? Fazer-se entender, ou deixar livres os sons para o universo formar as palavras que queira ouvir?

Não existe decisão acertada. Cada uma serve a um propósito. Pode-se, inclusive, temperar a exatidão com um pouco de humanidade, ou dar algum rumo ao total desconcerto das paixões. Deve-se, aí sim, dosar-se o tanto que se mistura de cada um na fórmula, para não deixá-la demasiado aguada ou endurecida, dependendo do que se queira.

Esses cuidados sempre tentei ter. Nunca quis ser frio com seu coração, mas também não queria perder a razão em expressividade vazia. Fazia cada um de uma vez. Tratava como ciência, a ciência. E amolecia para falar de almas.

Não me entendestes, contudo, tu. Supuseste em mim encontrar a mediocridade que acostumada estava a ver em todos, talvez até em ti mesma. Não sou "a cold hearted scientist". Nunca estive refratário aos seus sentimentos. Não tanto quanto estiveste aos meus. Mas apenas uma palavra de cada vez podia ter te oferecido. E ouvindo os primeiros cantos da madrugada, pensaste conhecer todo o discurso de cor. Não ouviste o que eu tinha para dizer. Acusaste-me de não ter te entendido, quando nem qual compreensão eu tivera chegaste a saber.

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Hospitalidade

Eu sou a escuridão. Ninguém vê o que guardo, mas apenas imaginam conforme queiram o que está lá dentro escondido. Muitos supoem tesouros escondidos. Outros têm medo. E outros ainda ignoram as trevas, conhecendo apenas a luz. São poucos, contudo, que ousam adentrar. E cada qual encontra algo diferente. Alguns, depois de se machucarem nos espinhos escondidos no escuro, fogem correndo e bradando: "Cuidado! Cá existem monstros!". Outros têm a sorte de encontrar algumas delícias, e se perdem no invisível, tateando perenemente na tentativa de tê-las novamente. Mas nenhuma pessoa entende o que há no escuro. Cada qual conhece apenas aquele pouco que toca, nunca enxerga o todo. Muitos vêem figuras nas sombras. A imaginação prega peças quando não enxergamos. No fim, a escuridão é inescrutável. Fujo se alguém me joga alguma luz. Não estou aqui para ser conhecido. Estou para esconder. Para abrigar suas fantasias, para que deposite seus temores, para que esconda suas impurezas. Nenhuma monstruosidade, por pior que seja, parece feia no escuro. Somente o escuro ousa abrigar as maiores obscenidades, as maiores deformidades, dores, calamidades e barbáries. Aquilo que você depositou no escuro fica nele. As pessoas temem a sombra por não saberem o que há nela, mas todo o terrou que deixou comigo continua lá. Ninguém o vê, não se preocupe. Mas eu vi. Eu sou a escuridão e o que me procura não pode me ficar invisível. Aquilo que abraço me toca em toda a extensão. Engulo tudo que você me deposita. Somente eu conheço os seus terrores. Somente eu vejo o que há naquilo de escuridão que há em você. Escuridão sua que encontrou repouso na minha. Você chegou com um recipiente, cheio de escuridão e medo, e deixou comigo. Não sei se era seu interesse pedir que eu o guardasse para você, ou se apenas o segurava enquanto fugia das outras pessoas, que não deveriam vê-lo. Mas quando viu, estava escondida aqui, no lado mais escuro. E quando se viu cercada pelas trevas, quando viu os monstros do invisível se acercando e rodeando, rapidamente fugiu. Deixou para trás o seu pote de escuridão. Que jamais reencontrará. Ele se misturou ao escuro, se diluiu e incorporou. Somente à escuridão se mistura outra escuridão. Agora você entende? Porque ninguém vê o que há na escuridão de você? Porque só eu posso vê-la. Mas para isso teria de enfrentar perigos reais e imaginários. Teria de se arriscar, se perder em meio ao nada. Não, ninguém está disposto a isso. Saiba que seu segredo está seguro comigo e que, ao menos uma vez, alguém viu todas as sombras que lhe atormentam e, em vez de fugir, as abraçou. Olhei o que havia dentro do potinho que me trouxe, olhei para tudo de pior que há em você. Apertamos as mãos e mostrei a ele os aposentos que passaria a ocupar. A sua escuridão torna a minha ainda mais negra, mas não difere da substância mesma que me compõe. Fica até bonita no lugar onde a deixei. E você, uma vez mais, fugiu para a luz, desesperada com o que viu, e jamais adentrará o breu novamente.

quarta-feira, 5 de junho de 2013

O náufrago e o cirurgião

Afogam-se as minhas palavras. Outrora, fosse me dado um assunto e jorrariam palavras minhas sobre ele, opiniões, interpretações, considerações, críticas, análises. Mas sobre aquilo que realmente importa não consigo falar. Algo me impede a voz. Apenas deliro. É impressionante como somos capazes de fazer tanto mal, ainda que queiramos fazer apenas o bem. Chega um momento em que não conseguimos enxergar a linha que divide as coisas. Quando negar ajuda é egoísmo e quando passa a ser sobrevivência? Quando ferir ensina e quando maltrata? Onde termina o céu? Onde acaba o mar?

Sempre pensei muito sobre a distinção entre as coisas. No final, não há distinção. Interpretamos de acordo com o contexto que está dado. Assim, uma mesma ação ousada levará o título de coragem quando der bons frutos, e de irresponsabilidade quando malograr. O pai que castiga o filho, está traumatizando-o ou ensinando? E como saber, sem fazê-lo?

Dar-se em sacrifício para ajudar outrem: bondade sublime ou idiotice masoquista? Como saber? Dado o contexto em que vivemos, onde cada um só se preocupa consigo mesmo, parece que a segunda opção é a que vale. As pessoas cobram o bem que você lhes deixa de fazer, sem se aperceber do mal que lhe fazem.

Nunca tive más intenções, embora nem sempre tenha agido bem. Ou melhor, minto. Tive más intenções, mas que no momento me pareciam a justa retribuição aos ferimentos sofridos. Pura tolice! O mal nunca pode ser justo, o mal nunca pode ser o bem, por mais que tente se passar por ele. Mas como então, explicar o valor do sofrimento? Como desculpar-se o médico que fere o braço da criança em prantos, aterrorizada, em nome de um bem vacinal? Estará ele fazendo bem? Ou estará fazendo mal?

Dizem que o sofrimento ensina. Mas ensina o que? Ensina a sofrer?

E que um sofrimento menor capaz de aplacar outro maior é justificado. Eu já não sei o que dizer. Não me parece honesto decidir sobre um sofrimento que não se sente. O sofrimento alheio sempre nos parece mais ameno que aquele que consome nossa própria carne. Ou nossa própria alma.

Certa vez, conversando com uma pessoa muito querida, concluímos que não há sofrimento maior que aquele que aflige a alma. Desse-me Deus a possibilidade, não pensaria duas vezes em escolher a maior dor carnal em troca de completo alívio das aflições do espírito.

Mas não existe tal troca. Não existe tal alívio.

As dores do corpo são muito urgentes e, para saná-las, recorremos com pressa à quaisquer meios disponíveis. Colocamos o dedo queimado sob a corrente de água fria. Tomamos analgésicos para as dores do corpo. Usamos anestésicos para adormecer as feridas abertas. Um rapaz com a perna quebrada, não pensa senão em algo que lhe estanque a dor, mais que o sangramento. Buscamos o descanso quando o desgaste nos consome, quando os músculos dóem, quando continuar parece um enorme sacrifício. E buscamos o ar quando somos asfixiados! Respiramos, ofegantes, despertos novamente. São mesmo desejos muito urgentes!

Contudo, ainda mais urgentes são as dores da alma. Mas para estas não há remédio imediato. Não há procedimento que alivie a dor. Fazer uma cirurgia em um paciente, observá-lo com a pele cortada, a carne exposta, as vísceras remexidas, e sem anestesia, falar para que aguente, que a dor vai passar. Essa é a sensação de quem tem a alma aflita. A mente arde, seus pensamentos corróem como ácido. Não é possível pensar, agir. Tudo vira uma dolorosa confusão sem fim. Desespera-se por uma medida de alívio, mas nada pode parar a dor. Grita-se, chora-se, esperneia-se, tal qual faria o rapaz da perna quebrada, se deixado fosse no meio da multidão sem auxílio. Mas nenhum socorro vem.

Entretanto, o quadro é ainda mais tétrico. Não apenas falta um socorro imediato, mas também a previsão de alívio. Submetido à uma dolorosa cirurgia, o paciente ao menos conforta-se esperando que, ao término do procedimento, sua dor esmoreça, as feridas cicatrizem, os tecidos se recompanham, esqueçam o trauma a que foram submetidos e voltem a funcionar. Mas não com a alma. Nunca se sabe quando uma alma parará de doer. Talvez nunca. E essa incerteza corrói mais ainda. A falta de perspectivas positivas às quais se apegar mata. Náufragos, sem ter em quê se segurar, nadam sem parar. Não sabem se um dia encontrarão uma ilha onde se refugiar ou uma embarcação que os salve. Talvez todo sofrimento para se manter vivo seja inútil. Talvez fosse mais proveitoso se entregar à inevitável morte no mar, escapando ao menos da agonia da exaustão corporal. Entregar-se às ondas...

Tendo a morte como certa, de que vale uma vida de sofrimento?

Não há feridas à mostra, ossos quebrados, hematomas, sangue, febre. Nada diagnosticável. Nada compreensível para quem não sente. A dor segue incólume; o doente, esquecido, vagando sozinho, abandonado, invisível, incompreensível. Não se vêem mortos enterrados, sob a terra, sob as águas, sob as máscaras. Nada se sente por eles. Nada pode ser feito para ajudá-los.

Mas o sofrimento da alma é inevitável. Pois aquilo que faz a alma sofrer está por aí, em todo lugar, contaminando o ar, a água e os olhares. Inspira-se, bebe-se, sente-se o sofrimento por toda a parte, carecendo apenas da sensibilidade para ser por ele afetado. E quem sofre, faz sofrer! Machuca a todos. Quase num grito desesperado por socorro.. Um grito jamais capaz de transpassar o deserto ao redor. Um grito silencioso. Um grito que já nasce morto na garganta, afogado pelas águas desse mar.

Se eu amo? Claro que sim! Em especial as pobres criaturas sofredoras. Queria tanto poder fazer algo para lhes subtrair o sofrimento, mas toda tentativa redundou em piora. Perdoai meu fracasso contigo. Sinto-me como o cirurgião que, prometendo-te extrair o tumor, percebe-se incapaz e abandona a operação, deixando-te ainda com a doença e a barriga aberta a sangrar. Jamais devias ter confiado em mim, tão inexperiente doutor, cujas entranhas também dóem, sem que seja capaz de as apaziguar.

O amor parece só poder vir do sofrimento, pois só quem sofre é capaz de entender o que se passa noutra alma sofredora (ou só pode vir da felicidade?). Mas entender, compreender, querer, não são bastantes para ajudar. Jamais consegui te ajudar. Aliás, talvez tenha conseguido, em breves momentos. Espero que pelo menos um dia de tua vida tenha sido melhor graças a minha presença nele. Muitos meus assim o foram graças a ti, muito embora outros tenham sido bem piores pelo mesmo motivo... desculpe! Eu falo demais, e você não merece tais cobranças. Erramos os dois. Talvez eu mais. Nunca saberemos de verdade. Mas sempre tentei ter boas intenções.

E continuo as tendo. Por isso busco evitar o máximo possível mexer naquilo novamente. Descobri-me um péssimo cirurgião de almas. Não tenho estômago para mexer nas entranhas de um espírito. Muito mais fácil abrir o corpo, cortar, remendar e fechar. A cicatrização da alma, por sua vez, é muito mais lenta e complicada, e o mínimo erro pode deixá-la sangrando eternamente. Sem falar que não há instrumentos de proteção. Não há luvas para os cirurgiões de almas e é muito fácil se contaminar por aquilo que se deseja tratar. Também é fácil se contaminar pelos sonhos, pelos sorrisos, pelo carinho, que de uma hora para outra podem desaparecer. E você se percebe sozinho. E vê que, na verdade, não operava a alma de outrem. É você quem está ali, deitado sozinho no centro cirúrgico, ò cirurgião desalmado, é você quem precisa de reparos. Mas o quarto continua sozinho e você não tem a quem gritar. Ou talvez sejam só ilusões... que bobagem, achar-me um cirurgião, achar-me deitado numa cama, quando sou apenas um simples e delirante náufrago, sozinho, se afogando no mar.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Batman

"Sabe por que eles o atacaram, não sabe?
Estavam com medo de você."

"Com medo de mim?"

"Todas as criaturas tem medo."

"Até mesmo as assustadoras?"

"Especialmente elas."

(Batman Beguins - 2005)