Durante uma época, gostava de discutir filosofia, perder o tempo com conversas sem fim, só pelo gosto de fantasiar, discutir e me fascinar pelos mistérios do universo.
Era muito novo e o tempo passou. Comecei a pensar que essas discussões não tinham sentido. Preferia fazer uma boa piada, aparecer para as meninas, rir um pouco, em vez de discutir seriamente. Ainda era novo.
Mais tempo passou. Entrei para a faculdade e, por mais que quisesse me focar em problemas práticos, era sempre arrastado para discussões mais filosóficas. Até que, finalmente, caí de cara nelas e passei a me dedicar ferrenhamente. Descobri um grande talento para a filosofia, além de um grande prazer.
Por um momento, cheguei a vislumbrar uma luz divina, como que uma centelha da mais brilhante estrela do universo. Por um segundo, muito breve, havia sido como se percebesse a verdade do mundo. Mas foi tudo muito rápido. Não havia tido tempo suficiente para entender tudo que havia ali. A fonte era muito rica. O brilho era magnífico, mas também dificultava a visão.
Estava lá, no alto da montanha, depois de árdua escalada, esticando o braço para finalmente tocar aquela luz brilhante, roubá-la para mim e descer com ela para o mundo dos homens, mostrá-la a todos e iluminar a escuridão. Mas no momento em que meus dedos iam tocá-la, o terreno cedeu e uma terrível avalanche me arrastou violentamente para baixo.
Foi uma queda terrível, dolorosa e interminável. Cheguei ao sopé encoberto de terra, machucado, sujo, as roupas rasgadas. Estava ainda sobressaltado pelo ocorrido, embasbacado pelo que havia encontrado, ao mesmo tempo que moído pela queda. Ainda assim, corri para contar a todos, mas ninguém acreditou. Lá, no alto daquela montanha, havia uma luz incrível, capaz de iluminar de uma vez por todas as obscuridades de nosso mundo, mas ninguém se interessou.
Quando cheguei dando as boas novas, perguntaram sobre o preço do leite, o caso do prefeito e a fofoca da vizinha. Tentei contar sobre o que havia visto, mas tudo que quiseram saber foi como fiquei tanto tempo vagando por aí sem um emprego. E fui chamado de vagabundo, de inútil, de burro. Havia feito tamanha escalada, mas para quê? Que bem de valor havia trazido que pudesse ser trocado no mercado? Que pessoas havia agradado para agora lhes exigir um cargo no governo?
Tentei falar da tal luz, mas ninguém entendeu e, ainda, um outro não acreditou. Uma luz que tudo resolveria? Que mentira deslavada! E se fosse assim, o que você está fazendo aqui? Pobre, sujo, machucado, porque não usa essa luz para ganhar algum dinheiro? O filho de fulano está trabalhando, até vai comprar um carro.
Mas seria isto então? A solução para todos os dilemas da história da humanidade, subjugados por um carro?
E assim segui vivendo, entre tantos outros sujos e pobres, que não pensavam senão em se livrarem da sujeira e da pobreza, sem se dar conta de que viviam em meio a lama e miséria.
Comecei a planejar uma nova escalada. Teria de me sujeitar aos interesses dos demais homens. Já que nenhum deles acreditava em minha história e financiaria nova empreitada, teria eu de arranjar recursos por conta própria. E fingir que era como eles, para poder me misturar. Fingir que a fofoca da vizinha ou o carro novo do filho de fulano realmente eram assuntos importantes para mim. Ah, se eles soubessem, se tivessem visto por um milésimo de segundo o que vi.... jogariam para o alto tudo em suas vidas para seguir aquela luz.
E, finalmente, conheci você.
Não que não conhecesse antes, mas agora era diferente. Tocamo-nos, sentimo-nos. E por um momento senti um calor tão abrasador que se assemelhasse algo que havia encontrado no alto da montanha. E percebi que queria muito, e estava dividido entre as alturas e o chão. Queria subir novamente, mas não queria deixá-la para trás. E, assim, aos poucos, um carro, um emprego, o preço do leite, tudo isso passou a ser mais importante para mim, pois era para você.
Minha escalada ficou prejudicada. Você disse que gostava de montanhas, mas era diferente. Não estava realmente disposta a subir. Acreditei que seguiria comigo, mas em verdade você tinha os pés bem presos ao chão. Vi-me em meio à escalada, mas desprovido dos recursos e você levara e com ódio no coração a cada degrau subido. E a cada metro subido, o peso do rancor me arrastava dois para baixo.
Finalmente percebo que a ciência só pode ser feita por corações em paz. Para quem sofre, ama, odeia... que se dane o que há nas estrelas, no fundo dos mares, no início do universo. Que se danem as respostas, as perguntas, as verdade.
Tudo que se procura é paz.
Muito mais fácil de se obter
na ignorância.
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