Para acompanhar a leitura, sugiro essa música de fundo:
http://www.youtube.com/watch?v=5WOcU7J9F3E
Não sei o que é pior sobre a saudade. Talvez seja a simples desnecessidade. E assim a saudade se perpetua, como algo que não precisa ser combatido, que devemos deixar simplesmente ali, pulsando, invisível para todo o mundo. A saudade não mata, daí não precisamos matá-la. É cruel e dissimulada, covarde que se esconde o tempo todo, até que um dia aparece e cutuca. Depois some de novo. E fica assim, nessa guerrilha perene. Não dá para fugir dela, pois aonde quer que se vá, lá está ela aguardando.
Outro dia você estava ali, sentada à mesa fazendo suas coisas. Quando eu chegava, você me recebia com um sorriso. Várias vezes você veio me lembrar de algo que havia esquecido, implicava com o meu jeito de fazer as coisas. Estava ali, de pé, usando aquele seu short azul de todo dia, fazia comida, testava uma receita. Ou então estava andando por essas ruas, e uma hora a gente simplesmente se esbarrava...
Mas não sei se esse ainda é o pior da saudade. O que me incomoda mesmo é ver um mundo de possibilidades se desfazendo. Tantas conversas que poderíamos ter, tantos assuntos sobre os quais queria saber sua opinião, tantas coisas que gostaria de lhe mostrar. Porém, acima de tudo, dói não poder ver seu sorriso. É dele que sinto mais falta. Seu sorriso era tão gostoso, tão amável. Era o contraste perfeito do rosto de menina no corpo da grande mulher que você é.
E de repente, aparece essa tal da saudade para me lembrar o quanto eu gostava, mas também para me mostrar o quanto ele se vai desmanchando. Já não lembro mais como era seu sorriso. Não consigo imaginar todos os seus detalhes, toda a sua complexidade. Resta apenas uma sombra, que a cada dia fica mais disforme, até que um dia vá se perder completamente.
A saudade não vai acabar. Mas ela vai deixando de ser algo e se transformando em abstração pura. Aos poucos, não me resta algo de que ter saudade. Vai virando saudade pura, saudade de nada. Só saudade. Como se deixasse de ser saudade de você e passasse a ser minha. Não tenho mais saudade, mas sou alguém que sente saudade. Que sente um vazio inexplicável, onde nada mais falta, nada há o que faltar. E você se torna apenas uma sombra amorfa que me persegue.
Já não me incomoda a sua ausência. Ela não me mata, e assim eu ela sobrevivemos. Já somos cúmplices, ela minha eterna companheira, minha terrível algoz. Mas o que dói é saber que tudo está se perdendo, se desmanchando no ar. E pelo menos as minhas lembranças gostaria de reter comigo. Entendo que não possamos ser um do outro na vida real, mas ao menos nos sonhos, vez ou outra, poderíamos ser felizes. E é a morte dos sonhos a pior parte da saudade. Ela me segue, mas vai matando você. Bem aos poucos. Pois enquanto a saudade se alimenta da ausência, esta só aumenta o vazio que você deixou.