Um certo, nem longo, nem curto, mas apenas certo tempo já se passou. O tempo certo, talvez se dirá, ou talvez apenas um tempo qualquer, que por hora se propõe como certo, posto que a hora agora é a certa, mas que já pode ser errada amanhã. O certo é que, agora, o tempo que passou é tempo certo, que fustiga os tempos passados e lhes amansa as feridas. Será, porventura, doravante o tempo errado, o pouco tempo, o demasiado tempo, o perdido tempo. Mas é apenas certo, agora, e isso já me basta.
Um certo tempo passou e, no momento, é o tempo justo para me fazer te olhar como a uma pintura emoldurada, pendurada em algum cômodo esquecido. Uma pintura que se pode apreciar, analisar, mas que jamais transmitirá a verdade da paisagem que se capturou em tela. Uma pintura não tem muito o que nos servir após certo tempo. São cores e texturas dispostas numa tela, estáticas, imóveis e frias. Quando o tempo ainda não é o certo, ou já se passou do tempo certo, a pintura pode parecer vívida, animada pelas memórias, que acendem os cheiros, os sons, as emoções, os abraços e aquele roçar insistente de sua perna na minha. A pintura não passa de um portal para o caleidoscópio de sensações da memória. Fica-se sem fôlego, o coração dispara, as imagens tomam forma e as vemos por aí a andar, dançar, sorrir e beijar.
Mas não no tempo certo. Perde-se então o consórcio de que se servira a pintura para ganhar vida. Agora não passa de tinta em uma tela. Não enseja emoções, não faz soar os tímpanos, não apetece a alma. São apenas cores em uma tela, que sabemos reconhecer ao observar. Reconhecemos que um dia existiu, que tais formas e tais cores desterradas correspondem a algo, a algum momento vivido. Porém um que nada mais significa. É como reconhecer o rosto de alguma pessoa com quem, apesar do costume de ver, não se tem qualquer contato: reconhecemos, sabemos que encontramos, dia após dia, ali na fila do pão, na loja de sapatos, mas não nos significa nada.
E eis que se tem chegado esse tempo. É apenas um e certo tempo. Aquele espremido entre o tempo curto, cuja pequenez não é suficiente para arrefecer as sensações há pouco aviltadas, e o tempo longo, cuja saudade faz com que se rememorem os tempos já tão longínquos. Pois é que o tempo curto ainda arde como brasa recém marcada, enquanto o tempo longo volta por já não lhe supormos qualquer perigo. Mas o tempo certo, esse é o tempo que oblitera. É tempo que aniquila. É o tempo que despreza toda a moldura que encampa o quadro maior de nossas vidas e só nos leva a pensar: "sim, isto existiu, mas entre ele e mim já não existe nada" (Na verdade, paramos no sim, não há crédito ao certo tempo, até que se esvaneça e torne o tempo errado, que já desponta no horizonte enquanto encerro a pequenez desses grandes tempos. Com amor, eternamente seu... ninguém).